“Trabalho é virtude, ócio é pecado”. Este conceito, enunciado de várias maneiras em acordo com diversos povos e culturas, esteve no fulcro das sociedades mais bem sucedidas materialmente. Como toda ideia generalizante, tem alguns problemas, o não menor deles é a distribuição injusta de trabalho, atribuído a servos, escravizados ou proletários, em benefício de aristocratas e detentores de capital que usufruíam de ócio e lucros; havia ainda muitas sociedades em que a conquista material não era o mais importante, como alguns polinésios e indígenas. Desde o início da colonização de nosso país os “brancos” que cá vieram almejavam enriquecer rapidamente com o mínimo de esforço e retornar às metrópoles para viver uma vida de luxo e ociosidade, como se idealizava que viviam os “nobres”; trabalho era algo degradante, e trabalho manual mais degradante ainda, donde a chaga da escravidão começou com os indígenas e culminou numa sociedade totalmente dependente de escravizados negros.

As revoluções industriais, a tecnológica e a cibernética possibilitaram a uma parcela cada vez maior de pessoas o acesso ao lazer; após milênios de luta pela sobrevivência em ambientes hostis e com carência de alimentos, a agricultura e os sistemas de produção permitem que grande parte da humanidade possa usufruir de tempo livre para atividades de escolha, ainda que essa não seja infelizmente uma realidade para todos.     

São duas as formas de entender o lazer: a primeira delas, hegemônica desde o século passado, é como uma esfera da vida social oposta ao trabalho, um tempo livre das várias obrigações profissionais. A outra entende o lazer como uma dimensão da cultura, uma necessidade premente do ser humano que se manifesta na vida coletiva.

Desde as antigas sociedades greco-romanas o lazer constituiu o tempo de não trabalhar, e na Inglaterra da Revolução Industrial esse conceito, ao lado do trabalho, saúde, economia, educação, foi considerado preponderante nas discussões sobre produtividade, liberdade pessoal e prazer existencial.

No século XX, o conhecimento sobre o lazer foi difundido nas sociedades ocidentais como uso do tempo livre principalmente em contextos urbanos e industrializados, e muitas vezes associados ao consumo, mas o período de pandemia recentemente atravessado de certa forma contribuiu para diluir a oposição trabalho e lazer, já que a flexibilização laboral permitida nas funções passíveis de trabalho remoto, e o avanço tecnológico que o facilitou, esmaeceram os limites entre ambos, tornando cada vez mais tênues e difusos horários de iniciar ou interromper o trabalho e o lazer.

Ademais, sempre houve por parte de sociólogos a tendência de compreender o lazer como necessidade humana e dimensão cultural, pela ludicidade e prática social que proporciona, abrangendo uma série de vivências culturais nas cidades ou mesmo em regiões rurais; comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, ciganas, possuem sempre uma palavra similar ao termo lazer para designar as práticas sociais não diretamente associadas às obrigações do dia-a-dia, que trazem alegria e renovam os inter-relacionamentos.

Tais atividades tem peculiaridades históricas, sociais, éticas, estéticas e de tradição, diversidades atribuídas a diferentes realidades de festas e celebrações, jogos, músicas, humor e experiências sociais com significados e sentidos característicos daquele grupo. Embora hoje as mídias sociais e os meios de comunicação de grande alcance tendam a diminuir as especificidades locais, elas ainda sobrevivem. Lazer parece sim uma necessidade humana e tem estado presente na vida cotidiana ao longo dos séculos, em todas as regiões e contextos.

Já o entretenimento, definido nos dicionários como ato ou efeito de distrair(-se), e tem aderido os conceitos de distração e divertimento, é muito distinto das atividades educacionais ou de marketing, embora estas costumem utilizá-lo como ferramenta auxiliar, pois sua função é a obtenção de gratificação, normalmente pessoal.

Talvez a maior forma de entretenimento atual seja aquela fornecida pelas redes sociais, já que crianças não demonstram necessidade de brincadeiras coletivas quando tem nas mãos um celular, capaz de entretê-las por horas a fio, levando-as à inatividade e muitas vezes à obesidade e comportamentos antissociais.

 Adultos, da mesma forma, parecem satisfeitos pelo entretenimento obtido pelas diferentes redes sociais, que os suprem de normas sobre as atitudes adequadas e uma ideologia pré-aprovada pelos grupos aos quais desejam aderir por alguma conveniência.

Nestas associações, substituem amigos reais pelos virtuais, com a gratificação vinda não de relacionamentos concretos, mas sim da procura de “likes” e ao acúmulo de “seguidores”, muitas vezes nem sequer conhecidos, que emulam compartilhamento de opiniões e constituem um clã de pensamento único que reforça e valoriza aquilo que determinaram anteriormente como seus direcionamentos políticos, seus valores, seus comportamentos.

A necessidade de estudo e reflexão é suprida com muito menos esforços, pois a comunidade orienta o que pensar e como agir, ao mesmo tempo em que entretém enormemente, as horas passam céleres e a sensação de estar muito bem informado é revigorante.

A própria imprensa profissional, e principalmente “infuencers”, muitas vezes cedem a este encanto, dedicando-se ao que hoje é denominado com o neologismo infotenimento, fusão dos termos informação e entretenimento, utilizado para designar a hibridização que distrai e diverte. Assim, passamos a ter mais e mais as experiências do sensacionalismo – conhecimento estruturado pela lógica das sensações – que atraem o interesse do público e ao mesmo tempo expandem o número de leitores, vendendo mais publicações e proporcionando mais visibilidade, o que acarreta mais anunciantes.

O entretenimento proporcionado pelas redes é extremamente alavancado pelo seu aspecto comercial, algoritmos são desenvolvidos para prender a atenção e acorrentar aos objetivos de consumo.

Lazer, definitivamente, não é sinônimo de entretenimento.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.