Província, desde o império romano, é uma divisão administrativa do país, a parte da nação que não seja a capital. Provinciano é tão somente o oriundo ou habitante da província, mas a expressão adquiriu ao longo do tempo um ranço algo preconceituoso, passou a nominar aqueles ou aquilo que não fazem parte da “corte” onde o poder e a moda se exercem e se criam.
A valorização excessiva da corte e seus hábitos e a concomitante desvalorização da província percorreu um caminho conhecido: os membros da primeira passaram a acreditar mesmo em suas qualidades intrínsecas pelo simples fato de habitá-la, e os da segunda prestaram homenagem nem sempre merecida à corte, assumindo uma suposta inferioridade.
Algo como o personagem do romance do austríaco Robert Musil que desiste de buscar a glória e o reconhecimento, tornando-se o “homem sem qualidades”.
Nas províncias, ou longe dos grandes centros, há valores, vantagens e, enfim, qualidades que as destacam. Assumi-los sem jactância não deve envergonhar ninguém, os sotaques, os modos de vestir, as preferências culturais, a alimentação. Motivo de vergonha é a imitação chula dos hábitos da capital.
No Rio de Janeiro do século dezenove alguns “elegantes” vestiam-se com pesadas casimiras inglesas na canícula do final do ano, por ser o hábito europeu. Esqueciam-se ou sequer percebiam que o Brasil se encontra no hemisfério Sul e quando é inverno no Norte aqui é pleno verão, e verão tropical. As vestimentas pesadas causavam algumas doenças além do desconforto.
Fernando Pessoa em um texto de 1928, declarava o provincianismo “mal superior”, e acrescentava que isso, por mais triste que fosse, era característico de quase todas as agremiações humanas: “de igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizados com orgulho e erro”.
Ainda segundo ele, “o provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la, pois, mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. A síndrome provinciana compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e a admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e na esfera mental, a incapacidade da ironia”.
Muitas vezes o provincianismo se manifesta na profunda incompreensão de um conceito extremamente remoto, complexo, normalmente denominado “liberdade de expressão” ou “discurso franco”, que já preocupava os gregos antigos, bem antes dos escritos de Pessoa.
Este relacionamento entre os dois conceitos tem se reinventado em acordo com o espaço e o tempo em que são utilizados, mas na Atenas do século V antes de Cristo já eram intrincadas as ligações entre liberdade de expressão, a própria liberdade e a honra. O orgulho e alta estima que aqueles com estudo e atuação destacada sentiam pela democracia, única forma de governo que permitia verdadeira liberdade e autonomia aos cidadãos, parte no exercício do poder e componente indispensável da sua cidadania, tinha na liberdade de expressão uma condição essencial para a execução da democracia. Qualquer cidadão (desde que não fosse escravo, que não eram cidadãos) podia falar e contribuir ativamente para as decisões comunitárias de forma livre. Registros históricos mostram que nessa época atenienses pareciam ser cidadãos preocupados e com responsabilidade pelas escolhas políticas e militares de sua cidade.
Liberdade de expressão portanto implicava em sensatez, falar a verdade consistia em querer o melhor para sua cidade e aqueles que nela habitavam, porém desde esta época alguns colocavam seus próprios interesses acima do possível benefício para a coletividade, ou, em muitos casos, apenas atendiam o desejo de um líder nem sempre de boas intenções; assumindo comportamentos sem compromissos com os demais, mostrando provincianismo e ausência de reflexão.
Muitos fatos atuais parecem demonstrar que amadurecemos pouco nesta seara, infelizmente.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.