A recente demissão da ministra da saúde, uma técnica da área que pagou o preço de não ser uma política experiente e portanto incapaz de colocar seu cargo “na vitrine”, apesar de ser saudada como uma pessoa que reconstruiu sua área de trabalho após um plano longo e elaborado de destruição, nos obriga a refletir um pouco sobre a presença das mulheres na administração pública, apesar de todas as promessas de equidade e representatividade.
Tendo conquistado o direito de voto em 1932, depois de uma campanha que reunia trabalhadoras de escritório, funcionárias públicas e enfermeiras, mas não trabalhadoras fabris, as mulheres brasileiras tiveram uma vitória curta, pois já em 1937 um golpe bania as eleições e excluía as mulheres da diplomacia e outros postos governamentais.
Em 1938, no entanto, elas foram, de certa forma indiretamente, beneficiadas por uma lei que estabelecia que postos da administração pública deviam ser preenchidos por meio de concursos, e estes se tornaram fonte importante de emprego para as mulheres, que tem o hábito de estudo e uma certa dedicação advinda da noção da necessidade de ocupar seus espaços.
Evidentemente, professores da rede pública, trabalhadores da saúde e de serviços sociais são classificados como atividades sociais, e neles a presença feminina passa a ser ostensiva.
Entretanto, desde sempre homens e as mulheres têm ocupado posições muito diferentes na administração pública, com mulheres quase excluídas do serviço militar e da polícia, onde os homens são maioria absoluta. Mulheres quase não ocupam cargos na construção e na indústria, porém estão razoavelmente representadas nas áreas técnicas e científicas.
Mas ainda subsistem as profissões consideradas, de certa forma, mais “femininas”, como assistentes sociais, professoras da primeira infância, bibliotecárias, com maioria masculina entre engenheiros, contadores, motoristas de caminhão e ônibus. Mesmo nas categorias pior remuneradas, a diferenciação aparece, mulheres são faxineiras e homens são porteiros.
Nos escritórios, apesar da presença de ambos os sexos nas gerências, as mulheres estão majoritariamente em cargos de nível médio e inferior, sendo os mais altos normalmente exercidos por homens. Tanto na administração privada quanto pública isso tende a acontecer, pois a desconfiança na funcionária é um pouco maior, já que “ela deixará tudo de lado para atender seus filhos”, “sua prioridade será sempre sua família”, “se a criança ficar doente ela tenderá a ficar ao seu lado e faltará ao trabalho”, “é mais emotiva e se desestrutura fácil”, como se estes comportamentos não fossem em boa parte indispensáveis para uma população mais saudável, da qual toda a sociedade se beneficia, e em outra parte um comportamento adquirido pela tradição milenar de que crianças e casa dizem respeito sobretudo – quando não apenas – a elas.
Mesmo nos afazeres domésticos, aquele que se omite sobrecarrega o outro, que enfrenta uma jornada dupla e tende a não crescer profissionalmente.
Nas eleições, embora “protegidas” pelo sistema de cotas, a participação feminina na política partidária é pequena, vemos que mulheres são normalmente eleitas prefeitas de cidades pequenas ou vereadoras nas câmaras municipais, quando são, mas dificilmente conseguem alçar postos mais elevados, como governadoras ou senadoras, com poucas e muito honrosas exceções.
Seria simples, até tentador, afirmar que isso tudo se deve a obstáculos machistas e preconceitos, o que é parte da verdade, mas apenas parte. Os grandes impedimentos à participação efetiva de mulheres em política, alta gerência, produção intelectual, devem-se às próprias mulheres que, não por sua culpa ou escolha, terminam um processo de “introjeção de inferioridade”, de tanto ouvirem que não são capazes, de tanto constatarem as dificuldades enormes que são postas em seu caminho, terminam acreditando nessas balelas e agindo de acordo.
Quase todas as mulheres que rompem essas amarras e obtém sucesso são melhores que homens em função semelhante, pois precisaram antes vencer a si mesmas, após vencer as cascas de banana do caminho, e só então entrar no que qualquer homem definiria como o começo da “briga”, pois para eles, na esmagadora maioria dos casos, o caminho está zerado.
De forma geral hoje mulheres estão estudando e adentrando áreas de trabalho sem grandes preocupações com escolhas de áreas antes tidas como masculinas, as perspectivas estão um pouco mais otimistas para as jovens, e elas parecem ser bem-vindas em todas as carreiras.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Educação Superior do Brasil – UniBrasil.