Na mitologia grega o herói Teseu foi incumbido de matar o Minotauro, monstro que habitava um labirinto indevassável na ilha de Creta. O maior problema era o próprio labirinto, criação do genial arquiteto Dédalo, construção com uma infinidade de corredores complicados, saídas falsas e vários andares que se confundiam; todos que adentravam o labirinto ficavam perdidos logo que percorriam algumas dezenas de metros e nunca conseguiam sair. Ao chegar a Creta, Teseu despertou a paixão de Ariadne, filha do rei Minos, e dela recebeu um novelo de linha que deveria desenrolar à medida que entrasse no labirinto. Morto o Minotauro, bastou Teseu enrolar novamente a linha e achar seu caminho para sair.
Séculos depois, os irmãos Grimm relataram num conto de fadas – João e Maria (Hänsel und Gretel) – o uso de recurso semelhante: ao entrarem numa floresta em que se perderiam as crianças jogam pedrinhas no chão à medida que caminham e recolhendo-as encontram a saída.
Em filosofia e lógica denomina-se “Fio de Ariadne” a um método de solução de problemas para os quais existem soluções obvias pela aplicação da lógica, basicamente percorre-se inversamente o caminho que levou ao impasse em que se possa encontrar; em cada “nó” de decisão avalia-se o que se decidiu e suas consequências, se positivas continua-se a retroagir, caso contrário assume-se as outras possíveis e o que decorrerá delas.
Seja em dilemas éticos, um debate filosófico ou casos concretos, ir seguindo vestígios de pistas ou assimilar gradativa e seguidamente uma série de verdades encontradas em um evento inesperado, efetuando uma minuciosa pesquisa até obter uma solução, tem sido uma boa forma de resolver pendências. A linha de Ariadne pode ser aplicada à solução de labirintos reais ou questões que parecem confusas numa primeira vista, lógicas difusas que podem ser submetidas ao raciocínio indutivo quando os métodos dedutivos falham, e tem sido utilizada até computacionalmente, principalmente em jogos e navegações na web.
Em tempos de pandemia, embora esses últimos anos também tenham tido seus eventos construídos sequencialmente, encontrar o fio de Ariadne que nos permitiria sair do labirinto, já que memórias recentes parecem desconectadas do passado remoto pois o tempo presente revela-se em ruínas, que assusta e ao mesmo tempo fascina, tem sido necessário partir dos escombros para recuperar estabilidade.
Todos os documentos que encerram histórias com começo, meio e fim, os conhecimentos ensinados e aprendidos, que pareciam repletos de significados, hoje são fragmentos de estruturas de outras diversões, de outros trabalhos em que podíamos aglomerar sem preocupações maiores, de viagens feitas sem ansiedades sanitárias.
No momento em que escolas de todo país voltam às atividades presenciais, essenciais para garantir uma boa aprendizagem, as preocupações permanecem. No entanto, a falta de encontro presenciais constitui apreensão ainda maior.
Num país com desigualdades profundas, a pandemia não atingiu estudantes de forma homogênea, já que muitos não tiveram acesso às aulas remotas por falta de internet ou equipamentos adequados. Enquanto escolas equiparáveis às de primeiro mundo puderam oferecer metodologias inovadoras e professores preparados para o desafio, muitas não possuíam laboratórios nem aparelhamento onde seus docentes poderiam ter sido adaptados para enfrentar esta etapa; com alunos que dependiam da merenda como alimentação diária, pouco puderam atuar na melhoria educativa.
Apesar das adversidades, melhorar o ensino como um todo é fundamental; segundo Hanna Arendt “a Escola é o lugar do passado”, no sentido de que trabalha com o conhecimento sedimentado do qual, então, virão as reais inovações. Neste lugar do passado pode ser interessante pensar no fio de Ariadne como condutor de soluções e melhoria.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.