Em tempos de redes sociais temos como certo que nossas vidas são extremamente interessantes: expomos o que comemos, passeios que fazemos, amigos que temos, julgamentos sobre tudo o que acontece, nossas opiniões sobre qualquer assunto, mesmo que não tenhamos qualquer conhecimento sobre eles.
Por isso mesmo, uma grande dificuldade em salas de aula atualmente, em qualquer nível de ensino, é a característica de crianças e jovens desejarem falar, mas estarem muito pouco inclinadas a ouvir. Isso é compartilhado por seus professores, principalmente os mais jovens, também adeptos das plataformas de mídias sociais.
Carl Rogers, psicólogo profundamente voltado às pesquisas educacionais, numa conferência na década de 60 já dizia:
“O primeiro sentimento básico que gostaria de partilhar com vocês é a minha alegria quando consigo realmente ouvir alguém. Acho que esta característica talvez seja algo que me é inerente e já existia desde os tempos da escola primária. Por exemplo, lembro-me quando uma criança fazia uma pergunta e a professora dava uma ótima resposta, porém a uma pergunta inteiramente diferente. Nessas circunstâncias eu era dominado por um sentimento intenso de dor e angústia. Como reação, eu tinha vontade de dizer: “Mas você não a ouviu!”. Sentia uma espécie de desespero infantil diante da falta de comunicação que era (e é) tão comum.”
Para ele, cada pergunta tem um significado real, pois ouvir vem antes do falar, nos abre para o mundo e para os outros, remetendo-nos àquilo revelado pelas palavras, um dizer de significado pleno. Em É isto um homem?, livro considerado uma das obras primas mundiais, Primo Levi, um químico e escritor italiano, falou sobre a vida cotidiana dos prisioneiros no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial e sobre o depois da guerra, no qual as lembranças ficaram silenciadas ou sem a possibilidade de serem ouvidas: conhecidos viravam as costas e não queriam saber sobre o processo de degeneração vivido nos campos de concentração, por prisioneiros que sofreram torturas inimagináveis, e na verdade também pelos seus carcereiros, que desumanizaram-se ao ponto da monstruosidade.
Ouvir é importante se queremos aprender, não apenas os professores, mas também pais, colegas, religiosos e ateus, amigos e desconhecidos com quem conversamos eventualmente. O processo educativo não pode estar vinculado apenas às informações recebidas, mas sim ao entendimento delas, como funcionam e por que, qual suas importâncias no fazer cotidiano.
Sem isso o ensino se enfraquece, em particular entre os mais vulneráveis, tradicionalmente com mais dificuldades de entendimento. Para eles os conteúdos abordados, a forma e o uso são relevantes, se forem além, comparando e descobrindo as razões e funcionamento das coisas, comportamentos, valores, acontecimentos próprios da vida social e no que interferem em suas vidas comunitárias
Cada professor precisa ser ouvido e ouvir, para não viver a contradição de ser aquele que ensina, mas não educa, não constrói uma sociedade de aprendizagem, baseada no intercâmbio e na partilha, onde todos falam e escutam, sendo reflexos da realidade social, mas ao mesmo tempo refletindo sobre ela.
Em turmas lotadas de alunos isso é evidentemente impossível, transmitir conteúdos e ouvir alunos, se estes são muitos, torna-se tarefa hercúlea e fora do alcance. Alunos querem manifestar suas visões, e isso é importante, mas pode virar cacofonia. Se o docente perde o controle, perde também a capacidade de transmitir seus conteúdos, de discuti-los com pertinência, de ouvir com atenção cada um de seus estudantes.
Assim, ouvir também se torna uma questão de política pública, ou seja, qual o número ideal de alunos numa sala de aula, para permitir que o docente possa fazer um bom trabalho. Prestar atenção em cada aluno, reconhecendo seus talentos ou dificuldades, suas formas de expressão e de acompanhamento das aulas dadas é essencial.
Salas de tamanho adequado permitem também melhor correção dos trabalhos dos estudantes, com apontamentos de possíveis melhorias e palavras de encorajamento.
O ouvir permite um bom clima na rotina da aprendizagem.
Prof.ª Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.