O populismo para obtenção de apoio de massas como o conhecemos talvez tenha sua origem na antiga Roma. A expansão do Império trouxe à metrópole enormes recursos humanos e materiais das províncias onde alimentos e outros bens eram produzidos de forma mais eficaz; muito do trabalho passou a ser executado por escravizados ou assemelhados.

Uma das consequências foi o surgimento de um grande contingente de pessoas pertencentes à “plebe”, categoria social com direitos de cidadania romana, mas que havia perdido a relevância no processo produtivo, embora mantivesse algum tipo de importância política. Para manter a paz social, uma das maneiras foi a instituição da política do “panis et circensis”, pão e circo em latim, que consistia na distribuição de trigo à população e oferecimento de “espetáculos” gratuitos de circo com lutas de gladiadores. Ainda que a distribuição de alimentos seja positiva, antecessora até das políticas de distribuição de renda, não era executada de forma racional, apenas minorava pontualmente a miséria que poderia resultar em revoltas populares e anestesiar a população com eventos sangrentos de lutas e execuções cruéis de homens e animais, não é com certeza nada recomendável do ponto de vista humanitário.

O populismo caracteriza-se pela irresponsabilidade, sendo bem diferente da busca pelo bem estar da população, ao contrário, é uma forma de enganá-la com a oferta de algo que parece atender suas necessidades e desejos presentes, mas que terá um custo futuro muito mais alto do que o seu valor. A boa gestão, pública ou privada, deve ter sempre em vista a realidade ainda que busque maneiras possíveis de torná-la melhor.

Poucos de nossos políticos atuais escapam à pecha de populistas, um fenômeno provavelmente atribuível aos tempos de redes sociais e escândalos que promovem visibilidade.

Palavras de baixo calão, exibição explícita de ignorâncias, quase um orgulho de ser esperto e não exatamente preparado para exercer cargos e ter proeminência diante do grande público, estes dirigentes são visíveis em vários países do mundo em que houve o que se pode considerar uma onda populista, ou seja diversas correntes de teor nacionalista que apresentam seus componentes como defensores dos interesses do povo, mas amparam ou tomam medidas que vão contra os princípios democráticos e muitas vezes ameaçam o equilíbrio das relações internacionais.

A sedução da ideologia difundida por este tipo de movimento provavelmente se deve ao impacto negativo do desenvolvimento socioeconômico, que tem deixado muitos na pobreza, e o fato de se apresentarem publicamente como representantes legítimos de seus apoiadores; sou um de vocês, parece dizer o líder quando utiliza palavrões e fornece explicações rasteiras ou de senso comum para problemas complexos.

Ao longo da história brasileira é fácil constatar que o conceito de populismo sofreu grande alteração. Nos jornais brasileiros em torno de 1940, percebe-se que o termo “populismo” já era habitualmente utilizado, como sinônimo de “popular” e tendo conotação positiva. Este conceito passaria por uma grande metamorfose, principalmente ao início de 1960, quando universidades e institutos de pesquisa passaram a dedicar-se com profundidade a este fenômeno.

Nesta época a teoria da modernização do Estado brasileiro passou a definir o “populismo” como um período de transição entre a sociedade tradicional (rural e agrária) para a sociedade moderna; e desde meados da década de 70 até o fim da década seguinte, dois fenômenos ocorreram simultaneamente: um movimento de redemocratização e uma forte institucionalização da pesquisa em ciências sociais, quando uma parte significativa de professores universitários, com especializações, e profundidade, passou a envolver-se no estudo dos movimentos populares

Então sabemos hoje que o populismo parece sempre acreditar que pessoas do povo, trabalhadores de massa, não adquiriram consciência e sentimento de classe, não estando organizados politicamente e com preparo intelectual suficiente para escapar deste “canto da sereia”.

Sem condições de dirigir com segurança o Estado, esta classe dominante terá que conquistar o apoio político das massas emergentes, e o surgimento de um líder populista, cheio de carisma, pode mobilizar as pessoas e empolga-las para qualquer barbaridade proposta, mesmo aquelas que no curto prazo vão prejudicá-las amplamente. Pela tutela do líder carismático, a massa mostra seu irracionalismo, não consegue identificar seus interesses reais, confundindo-se nas apostas teórico-políticas e com o embate dos adversários com e contra os quais se situa a tese populista.

Normalmente a confiança que os líderes populistas inspiram está pautada na inexperiência – ser contra a política tradicional – posição contrária ao sistema – então não é indispensável a compreensão aprofundada de medidas e procedimentos a serem conduzidos do ponto de vista econômico, social, internacional e outros, ou seja a imagem pessoal do líder prevalece sobre todas as suas propostas.

Assim, a simpatia ou a antipatia promovem a adesão política, por razões mais de ordem emocional do que racional, que despertam sentimentos de xenofobia ou ódio aos gays: não uma posição ideológica, nem opção refletida, mas sim a compulsão de rejeição de fundo visceral àquilo que parece uma explicação fácil para nossos problemas pessoais. Dar aos apoiadores oportunidade de comungar no ódio dos outros arrebanha simpatizantes e forma um clã de iguais, que sabem onde está o problema e como resolvê-lo.

Estes aspectos são notáveis para quem já teve a oportunidade de ver/ouvir o modelo histórico insuperável que são os comícios efetuados por Hitler, nos quais conta menos a argumentação e mais a motivação para o ódio e o tom, ritmo, gestual, postura de um orador capaz de induzir ao compartilhamento do ódio.

Apenas um bom sistema educativo, que conseguisse preparar adequadamente para o discernimento do real e do ilusório, para a ciência e não para a simples magia, para o mundo do trabalho e da convivência sem ilusões, porém com solidariedade e igualdade poderia nos salvar deste mal, tão antigo e tão pernicioso.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino superior do Brasil – UniBrasil.