Desde a mais remota antiguidade anacoretas, eremitas, religiosos, buscam lugares isolados, desertos, cavernas, com o propósito de ouvir a “voz de Deus” que se faria escutar depois de muito tempo de solidão, orações e privações. Um rito de passagem essencial para muitos, o próprio Jesus teria passado quarenta dias em meditação no deserto, quando foi tentado pelo demônio que pôs em dúvida sua condição divina, a vitória do Nazareno neste teste seria o início efetivo do cumprimento de sua missão.
Em nossos dias esta prática continua viva e valorizada, abrangendo mais do que o sentido místico, algumas pessoas procuram em spas e congêneres algo que pode se aproximar da iluminação espiritual, a ressignificação de suas próprias vidas pela prática de dietas e disciplinas físicas radicais. Também aqueles que, por razões religiosas ou não, afastam-se das festas de Carnaval e outras procurando preservar uma certa “pureza” em face do que consideram pecaminoso e isolam-se em diversos locais.
Os times de futebol e outros esportes quando vão enfrentar desafios importantes entram em “concentração”, não apenas para se dedicar ao treinamento e fugir da imprensa mas também para desenvolver maior foco no evento que virá através do isolamento apenas entre os que tem o mesmo propósito.
A “voz de Deus” num sentido laico é a voz de nossa própria espiritualidade e consciência profunda, que nos fala quando nos desligamos de outros ruídos e prestamos atenção aos nossos ritmos internos e à própria respiração.
Respirar é viver, mantra da yoga, é relembrado em todo retiro espiritual, seja em um sítio brasileiro ou ashram estrangeiro; todos os anos, levados pela busca de autoconhecimento ou cura da dor, muitos iniciam uma peregrinação em busca dos conhecimentos e ensinamentos espirituais, e a prática de afastar-se da vida nas grandes cidades se intensifica, em locais voltados à natureza e à meditação, seja ela de fundo religioso ou não.
Muitas pesquisas tentam destrinchar a relação entre religião e medicina, o desenvolvimento corporal nas diferentes tradições de cura, os significados da saúde, as atividades como yoga clássico ou terapêuticas religiosas na obtenção de paz e tranquilidade.
Hoje sabemos que estressores psicossociais, influências da comunidade mais próxima, privações e privilégios, deixam profundas marcas e interferem no processo de saúde e doença. O ser humano, se considerarmos as várias perspectivas: psicológica, sociocultural, estética, metafísica, religiosa, biológica, ecológica, seus procedimentos como abstinências, regras de vida, posturas, controle das sensações, concentração, tem formas totalmente diferentes de controlar os sintomas de suas doenças e obter (ou não) a cura de seus corpos, mentes e almas.
Isso é reconhecido por ideólogos como Durkheim, que não despreza este fator, como quando afirma que […] religiões como as do Egito, Índia ou da Antiguidade Clássica: [são] uma trama espessa de cultos múltiplos, variáveis com as localidades, com os templos, com as gerações, as dinastias, as invasões, etc. Nelas, as superstições populares estão mescladas aos dogmas mais refinados. Nem o pensamento, nem a atividade religiosa encontram-se igualmente distribuídos na massa dos fiéis: conforme os homens, os meios, as circunstâncias, tanto as crenças como os ritos são experimentados de formas diferentes.
O que parece inconteste é que músicas e danças interferem positivamente neste processo, até por propiciarem aquilo que Jung denomina numen (relativo a Deus), para qualificar a experiência do sagrado como um potencial terapêutico,
Evidentemente nos dias de hoje não nos deslocamos para cavernas com a finalidade de nos afastarmos um pouco do burburinho das aglomerações urbanas; locais confortáveis embora sem grandes luxos estão disponíveis, com alimentação veganas ou não, e dispondo de orientadores espirituais e de práticas físicas, para meditação em retiro.
O praticante espiritual foge do barulho para encontrar paz mental, isolado do mundo, porém não das benesses da civilização como água quente, luz elétrica e transmissões musicais, para treinar sua mente, experimentar paz e ser capaz de integrar a experiência na sua vida diária quando voltar a estar inserido na vida comunitária e profissional.
Embora nem todos possam fazer estes retiros do ponto de vista físico, recolher-se espiritualmente é indispensável a todos em algum momento da vida.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.