Qualquer professor em sala de aula sabe a dificuldade enfrentada com aqueles alunos que, muitas vezes inteligentes e articulados, não se submetem com facilidade às determinações das quais possam discordar. Estes estudantes contra argumentam, mostram seus pontos de vista, insistem na demonstração de seus motivos. Às vezes estão certos, mas ainda tendemos a esperar um aluno comportado.

Em princípio, instituições escolares se propõe a formar pessoas críticas, reflexivas, indagadoras; é o que se encontra descrito como objetivo na maior parte de seus projetos pedagógicos, em qualquer nível de ensino, do fundamental às universidades. Quando, porém, as pessoas refletem, indagam e criticam, elas nos desafiam, põem à prova nossa segurança, estabilidade e conhecimento, e em muitas situações nos mostramos insatisfeitos com as suas discordâncias.

A existência de uma proposta pedagógica que conflita diretamente com a vivência escolar, o belo discurso e a péssima rotina, a distância entre intenção e gesto, é claramente percebida pelos jovens, que assim aprendem uma importante lição de hipocrisia, confundindo realidade e marketing, como se apenas este último fosse decisivo em nossas vidas, não importando o que é, e sim o que se diz que é.

Ludwig Feuerbach, filósofo alemão, já em 1841 observava que nosso tempo, sem dúvida, prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser. O que é sagrado para ele, não passa de ilusão, pois a verdade está no profano. Ou seja, à medida que decresce a verdade, a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado. Em tempos de internet e da espetacularização do planeta, que diria sobre a época atual?

Educar é ato participativo, precisa ser compartilhado entre professores, pais, círculo familiar mais próximo e toda a comunidade em certa medida. Reclamamos da corrupção, mas somos incapazes, muitas vezes, de olhar aquela que praticamos no cotidiano, ao tentar evitar uma multa, ao furar uma fila, ao negar prerrogativas às minorias. Aceitamos passivamente que grandes roubos sejam cometidos, desviando verbas de construção e manutenção de escolas, postos de saúde, transporte e segurança. Ovelhinhas não ensinadas a fazer valer os direitos, queremos que a educação brasileira melhore, mas não conseguimos ter uma prática adequada às nossas propostas, que são muito mais românticas que reais; agimos como se esta dicotomia fosse inevitável, a lição do permanecer inerte para não ser penalizado vai funcionando até alguns raros momentos de explosão, que, eventualmente descamba para a violência e agressões.

Infelizmente, este hábito termina permeando também o mundo do trabalho, permitindo a proliferação de procedimentos centralizadores e autoritários, que impõem a cultura do medo como técnica administrativa.

A professora e matemática americana Katherine Merseth declarou em entrevista à revista Veja: As crianças precisam saber como resolver problemas, e não como memorizar fórmulas em aulas em que pouco põem o raciocínio lógico em ação. Um desincentivo comum à exploração dos números nas escolas é o desprezo pela intuição matemática do aluno. Quando ele trilha o próprio caminho para solucionar uma questão, e não o caminho esperado pelo professor, frequentemente se considera que errou, mesmo tendo chegado à resposta certa. Como ocorre em outras disciplinas, os educadores ainda demonstram estar aferrados a um tempo em que o estudante ficava passivo e calado diante de uma lousa. Não entenderam que está mais do que na hora de colocá-lo no banco do motorista.

Em todos os procedimentos escolares, inclusive naqueles que envolvem o embate das personalidades, aceitar o dissenso é uma necessidade.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.