“O que há num nome?” a angustiada pergunta de Julieta poderia ser traduzida com maior propriedade por “o que há num sobrenome?”

O amor trágico dos dois adolescentes de Verona não encontraria óbices fossem eles apenas Romeu e Julieta, mas eram também Julieta Capuleto e Romeu Montecchio, e isso mudava tudo.

O pertencimento a um grupo, família ou tribo, é importante até para o equilíbrio emocional das pessoas, e sobrenomes são fatores de identificação, revelando procedência, amizades, poderes, rivalidades e inimizades mortais. São também símbolos, para o bem e para o mal; era comum em comunidades menos evoluídas a indagação compulsiva acerca do sobrenome da pessoa que chegava, maneira de colocá-la sob um rótulo que definiria seu status, por realizações de outrem.    

Além da redação do Enem, que despertou a curiosidade de muitos jovens sobre o tema, a questão do registo civil, dotando qualquer criança de um sobrenome é indispensável em nossos dias. Um nome é o primeiro “título” que recebemos, mas o sobrenome nos identifica como família, mostra nossos laços com a comunidade, tanto a mais próxima quanto a estendida, ou seja, nome e sobrenome desempenham papel significativo dentro das relações humanas, testemunhando desde a época em que vivemos até hábitos familiares e influências culturais.

O nome atribuído a cada um não é apenas uma palavra escrita ou falada, e sim representativo de todo um universo pessoal, é uma identidade, forma de individualizar e distinguir uns de outros, muitas vezes um determinante da personalidade, um instrumento jurídico, que diferencia homens e mulheres, já que classicamente designamos de forma diferenciada as crianças de um e outro sexo.

O próprio Código Civil Brasileiro assegura o direito ao nome e a sua transmissibilidade de geração a geração, e seu pertencimento ao portador por toda a vida, resguardando seus direitos mesmo após a morte, preservando herdeiros não apenas de bens físicos, mas também da memória familiar, histórias de antepassados e de nossas tradições comportamentais e culturais.

Mulheres antigamente mudavam o sobrenome registrado ao nascer, quando se casavam, já que tradicionalmente assumiam o sobrenome do marido, afirmação do poder marital, originária do direito romano, em que a mulher ingressava na família do esposo. Isso acontecia até o final da segunda guerra mundial obrigatoriamente, pois após a entrada feminina massiva no mundo do trabalho, diversas mudanças sociais alteraram o seu papel exclusivo de cuidadora do lar e dos filhos, o que era um dever, passou a ser uma escolha.

São muitas as origens dos sobrenomes, mas estes foram utilizados muito cedo nas civilizações humanas, como forma de distinguir uma pessoa de outra, mas houve fases como após a queda do Império Romano, em que a sistematização das nomeações passou a ter motivação religiosa, principalmente, com a influência do cristianismo, e modernamente por influência de novelas televisivas ou personagens famosos que obtém aprovação popular.

Registro civil   é o termo jurídico que designa os registros dos fatos da vida de um indivíduo, como o seu nascimento, casamento, divórcio ou morte. Também são passíveis de registro civil as interdições, as tutelas, as adoções, os pactos pré-nupciais, o exercício do poder familiar, a opção de nacionalidade, entre outros fatos que afetam diretamente a relação jurídica entre diferentes cidadãos, inclusive modernamente a profunda discussão sobre o nome social.

Afinal, o primeiro documento com validade jurídica de uma pessoa é a Certidão de Nascimento. Por meio dela, a criança passa a ter nome, sobrenome, nacionalidade, filiação e direitos à saúde e à educação; representa o comprovante de existência do cidadão, sem o qual a pessoa é impedida de exercer os seus direitos civis e sociais, na prática ficando invisível.

No Brasil, esta emissão é totalmente gratuita para todos os que nascem em solo brasileiro, e com isso, a taxa de nascidos vivos sem certidão que estava na casa de dois dígitos até cerca de vinte anos atrás, hoje corresponde a 2,1%. Com o Registro de Nascimento, que é universal e gratuito, as pessoas passam a existir para o Estado, ali nasce um cidadão, com todos os seus direitos, inclusive seu acesso à escola, fundamental para seu desenvolvimento pessoal e visão do mundo.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.