Verdade como valor

Wanda Camargo | assessoria@unibrasil.com.br

Um dos riscos, talvez o maior, do uso da Inteligencia Artificial são as narrativas falsificadas, as “Fake News”. De fato, com os recursos tecnológicos disponíveis é perfeitamente possível criar realidades inexistentes, usar a imagem e a voz de pessoas para declararem o que jamais pensaram, um inferno paralelo a serviço da desinformação e do crime.

A verdade é um valor, ou seja, consideramos que o verdadeiro confere às coisas, aos seres humanos, ao mundo, um sentido completamente diferente daquele que teria se fossemos indiferentes à verdade ou à falsidade.

Por isso, é bastante conhecido e significativo o diálogo entre Jesus Cristo e o governador romano Pôncio Pilatos, pela indagação deste para aquele: “Logo, tu és rei? Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade? Tendo dito isto, voltou aos judeus e lhes disse: Eu não acho nele crime algum”. (João 18:37-38).

No entanto, admitimos haver uma diferença bastante clara entre verdade real e verdade formal em nossos tribunais e mesmo no dia-a-dia de nossas divergências e conflitos, pois aceitamos como verdade formal a que resulta do processo, embora possa não encontrar exata correspondência com os fatos, ou seja, a forma como aconteceram historicamente; enquanto a verdade real é aquela que nem sempre chega ao julgador, que contemplaria os fatos tal como ocorreram historicamente e não como querem as partes que lhe apareçam a ou ao público de forma geral.

Basta pensar nos processos de delimitação das áreas indígenas, nos marcos temporais e outras discussões sobre a propriedade das terras que tal distinção fica bem clara. Valem as provas formais apenas, passando-se ao largo de maior investigação sobre os fatos.

Principalmente verdade e política, aliás, estiveram sempre sobre suspeição de incompatibilidade, pois mentiras de forma geral são consideradas como instrumentos necessários e legítimos do político.

E a recente notícia de que as plataformas de Internet pretendem extinguir suas unidades de verificação de postagens verdadeiras ou falsas está introduzindo um novo elemento na equação, parece que agora iremos assistir ao verdadeiro “vale-tudo” de afirmações, vídeos realizados com inteligência artificial, declarações geradas sobre qualquer assunto e atribuídas a pessoas com suas próprias vozes – embora elas nunca a tenham feito – e outras maravilhas possíveis com toda a tecnologia disponível.

A palavra “robô” tem origem na língua tcheca, vem de “robota” que significa trabalho forçado; foi usada pela primeira vez para referir autômatos em uma peça de 1920 do tcheco Karel Capek.

O escritor Isaac Asimov estabeleceu o conceito de robô que influencia a literatura de ficção científica até nossos dias com a obra “I Robot” de 1950. Asimov estabeleceu as “três leis da robótica”, normas que eram parte do “código genético” dos robôs e não poderiam ser desobedecidas, facilitando a aceitação dos robôs em sociedades que os temiam: 1 – Um robô não pode ferir um ser humano ou permitir que um ser humano seja ferido; 2 – Os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, a menos que essas ordens conflitem com a primeira lei; 3 – Um robô deve proteger a própria existência, desde que isso não conflite com as duas leis anteriores.

Nessa época Inteligência Artificial não era sequer uma fantasia. Hoje a vemos com o mesmo desconforto com que eram vistos os robôs de Asimov, algo que a maioria não controla e que pode ser usado contra nós. Talvez, com muito maior complexidade, seja o momento de criar as “leis da IA” que norteariam seu funcionamento de modo menos agressivo à liberdade e bem estar da humanidade.

Seria um grande auxílio dentro das instituições escolares, nas quais desde cedo um grande trabalho educativo é feito para que crianças e jovens possam distinguir realidade de ficção. Isso nem sempre é simples, mas extremamente importante para que se consiga distinguir entre história e mito, entre desenvolvimento científico e fábula.

Misturar verdades e mentiras, como temos feito agora, e a maior parte das vezes com péssimas intenções, não nos levará a um país que proporcione melhores condições de vida a seus cidadãos.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.