Pais querem o melhor para seus filhos, e poucos desconhecem o valor de uma boa educação, o que não é simples é saber como obtê-la quando os recursos são limitados, às vezes muito perto de inexistentes; da mesma forma, ninguém levaria sua família para morar debaixo de pontes e viadutos, em áreas alagáveis ou em risco de desabamentos, próximo a linhas de alta tensão, em regiões dominadas pelo tráfico ou por milícias, em prédios semidestruídos. Bastaria ter uma alternativa aceitável. Algumas escolas públicas apresentam boa qualidade, porém com vagas em número insuficiente para atender toda a população que gostaria de ter acesso a elas, e além de poucas, muitas vezes estão extremamente distantes da moradia, ou seja, algumas alternativas existem, mas não são aceitáveis por vários fatores, o principal é a enorme distância entre os locais propostos para assentamento, escolas, locais de lazer, e o trabalho das pessoas, agravada pela precariedade da maioria dos transportes públicos. Mesmo em cidades que se orgulham da qualidade desses transportes é comum trabalhadores passarem quatro ou mais horas de seu dia em trânsito; quatro horas são um sexto de um dia, no total quase um sexto de uma vida. Se são difíceis para adultos, são impraticáveis para escolares. Todos nos chocamos e entristecemos com mais um incêndio de edifício em São Paulo; mais uma vez constatamos a dedicação de bombeiros, socorristas e voluntários neste tipo de tragédia. Mais uma vez nos envergonhamos da atitude de políticos que apenas tentaram se eximir de qualquer responsabilidade e ficar bem nas fotos. As declarações oficiais giraram em torno de tecnicalidades, como o fato de que apesar de exaustivamente constatadas as condições perigosas deste e de mais dezenas de prédios ocupados na cidade, não se poderia pedir reintegração de posse por não serem propriedades de município ou estado, e igualmente temos sido apresentados a uma série infindável de razões pelas quais é complexo construir novas unidades de ensino ou aumentar a qualidade das existentes. Há alguns anos falava-se muito de uma tal “vontade política”, panaceia aplicável a qualquer problema grande ou pequeno desde que o proponente fosse eleito para este ou aquele cargo. Esta vontade parece totalmente ausente em questões nada glamorosas ou geradoras de publicidade, mas gravíssimas, como creches, escolas, estruturas de lazer e ocupações irregulares de imóveis: nestas deixa-se que “movimentos” se apossem de edifícios abandonados e os loteiem, cobrando contribuições dos moradores para financiar a “luta”.
Um governo incapaz de atender às demandas de sua população por educação e habitação minimamente digna poderia, sim, permitir que as pessoas se associassem para ocupar prédios sem uso ou deixados vazios por décadas com finalidades especulativas. Mas uma das obrigações de qualquer governo é garantir a ordem jurídica, tais ocupações deveriam contar com a intermediação de setores oficiais para que nem moradores nem uma eventual minoria de proprietários de boa-fé sejam expurgados de seus direitos. Outro dever dos governos é fiscalizatório, existem normas, regras, leis, que regulamentam as construções e muitas delas são voltadas à segurança dos moradores e dos imóveis, permitir instalações elétricas precárias, divisórias altamente inflamáveis, cozinhas improvisadas em locais de risco e insalubridade ambiental não é um ato de humanidade para com destituídos, é um desastre em potencial, como vimos recentemente. São tantos os subsídios concedidos a vários setores econômicos, alguns até necessários, poderiam perfeitamente ser criadas subvenções para adequação destas habitações pelos próprios moradores com orientação das entidades de engenharia e de arquitetura e fiscalização da sociedade civil. Mas para ajudar esta população, ou até mesmo para desaloja-la, é necessário primeiro reconhecer sua existência, e parece muito mais cômodo agir como se ela fosse um problema abstrato, algo que passa a existir apenas quando a casa (literalmente) cai. O desastre tem sido semelhantemente pavoroso no sistema educacional, mas este sequer enxergamos.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.