Por Marco Buchmann
Um comercial que causou uma discussão no país. São poucos que podem carregar essa fama. Em uma época onde a propaganda anda medrosa, cheia de dedos, O Boticário fez aquilo que muitos queriam fazer: escancarar o que já está presente, mas que muitos têm a vontade de permanecer cegos. E o mais legal, escancarou a homofobia velada que está presente em boa parte da população. E tudo sem medo.
Goste ou não, a mudança do entendimento do gay como algo ruim para algo normal (nem bom, nem ruim, normal) está acontecendo. É um processo. Ouvi os maiores absurdos em relação ao comercial do Boticário. E te digo que ele é muito mais importante do que a nossa vã filosofia acha.
Talvez nem o pessoal do marketing saiba o quanto eles vão puxar a mudança da sociedade brasileira. A discussão, que eles causaram, faz parte do processo de amadurecimento de uma ideia.
Vamos pegar alguns exemplos. O nazismo foi considerado normal por uma boa parte da sociedade alemã durante os anos 30/40. Absurdos eram cometidos, muitas vezes embasados por questões religiosas ou por falsas pesquisas científicas mostrando a “superioridade dos alemães” sobre os judeus, negros, gays etc. Enfim, era uma rejeição a tudo que era diferente. E qual era a motivação de Hitler? Alguns dizem que ele era um gay frustrado, que nunca pôde sair do armário. Nada comprovado, mas faz sentido. Com o fim da segunda guerra, a Alemanha tinha a chance de ter um novo começo. Era preciso rever a base que levou eles, alemães, a cometerem tantos absurdos. Um novo entendimento sobre a sociedade se criava. Dia 15 de maio fez 70 anos do fim da segunda guerra. “O país mudou: em algumas décadas, foi estabelecida uma sociedade livre. Os filhos e os netos se esforçam para compreender este passado sombrio”, foi um dos destaques do jornal conservador Die Welt. Hoje uma pesquisa da YouGov publicada no fim de abril, 76% dos alemães consideram o fim da Guerra uma libertação de seu país, mais que uma derrota. E as ideias nazistas passaram a ser rejeitadas pela população. Nesse caso, houve uma mudança brusca, uma quebra. A mudança de ideais se deu de uma vez só.
E o que isso tem a ver com a homofobia? Tudo. Não diretamente, mas o processo de transformação de uma ideia é parecido.
Já o racismo foi considerado normal durante séculos. O homem branco sempre foi superior. Sou branco, nunca sofri na pele isso. Mas sei que existe o racismo. Não é preciso ir longe. Nos anos 80 era normal piada com negros. Nos anos 60 tinha muitos lugares onde negro não poderia frequentar. Ouvi de uma senhora de 80 anos uma coisa que me fez pensar nisso esses dias. Ela estava contando sobre a entrada de negros e ela se lembra da primeira vez que um negro foi na sua igreja. “Imagina só. Éramos puros, um negro não poderia fazer parte da nossa igreja”. As palavras me marcaram muito. Hoje até ela entende que estava errado. O que aconteceu? Houve muita discussão, e com isso um novo entendimento, a sociedade evoluiu, mudou.
Até pouco tempo atrás mulher não trabalhava e nem votava. Houve discussão (e às vezes necessidade) e as mulheres começaram a conquistar os seus espaços. De novo, houve uma mudança, um novo entendimento de sociedade.
Nesses últimos dois casos houve uma mudança aos poucos, gradual. Um direito de cada vez, mas constante.
Chegamos então à homofobia e ao comercial d’O Boticário. Entre as coisas que eu ouvi estavam algumas que eu tenho certeza que vamos olhar com repúdio daqui a alguns anos, quiçá seja até considerada crime. Uma delas foi “homofobia não existe”. Como assim? Eu sou hetero, mas não consigo fingir que não existe. E o pior, vinha das mesmas pessoas que não querem que “os meus filhos sejam expostos à essas coisas” ou que falavam “a ciência já provou que filhos de gays sofrem mais bullying” ou o super trunfo de quem argumenta isso “você gostaria de ter um filho gay?” . Ou seja, a homofobia existe e está latente. Dentro do armário. Essa forma de destilar o ódio travestido de pseudo fatos científicos e argumentos religiosos é o mesmo modus operandi usado durante o nazismo. Consegue perceber?
Agora vamos perceber algumas coisas do ponto de vista psicológico. Quando a pessoa rejeita tanto assim os homossexuais, em boa parte das vezes é por vontade própria e medo de enfrentar seus antepassados por isso. Não acredita, veja o estudo sobre isso feito recentemente ( https://super.abril.com.br/…/homofobicos-tem-desejo-sexual-p… ) . Nesse estudo mostrou que o grupo dos homofóbicos ficam mais excitados com filmes gays. E isso sem confundir com outros tipos de excitação. Era sexual mesmo.
Ok, isso todo mundo já sabia. Os homofóbicos querem mas estão no armário. E quanto aos filhos? Essa é outra questão engraçada. Os pais tem a tendência a projetar os seus próprios sonhos nos filhos (não acredita? Leia isso:https://paulofochi.blogspot.com.br/…/projecao-dos-pais-frust… ). Então eles projetam que o filho nunca vai ser gay por medo de que ele próprio, o pai, seja. Isso quer dizer que tudo é medo e vontade misturada. Ok, não é 100% dos casos, mas se aplica em boa parte deles.
O Boticário está puxando uma mudança. Mostrar o homossexualismo como algo normal, não é ruim. É bom. Menos frustrações. Todo mundo mais feliz. Como já disse o Drauzio Varella, “se você se importa tanto com quem a pessoa ao lado está saindo, o problema é seu e você deveria se tratar”. Espero que todos os argumentos racionais dos homofóbicos caiam por terra com essa discussão geral. E quando a pessoa perceber que é apenas emocional a sua frustração e a sua rejeição, ela consiga mudar de ideia. Quanto a marca, ela vai sair mais forte disso. Pelo menos no que depender de milhares de pessoas que apoiaram o movimento.
“Ahhh e você gostaria de ter um filho gay?” Bom, se ele ficar feliz, não me importo. Não deveríamos nem ter pensar nisso como algo bom ou ruim. Deveríamos só aceitar!
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