Por Agostinho Celso Pascalichio
Em termos econômicos a Black Friday de 2015 deve receber os efeitos não apenas de um ano, o de 2015, mas também os efeitos do próximo ano, o de 2016. Isto é consequência da formação das expectativas sobre os rendimentos futuros dos consumidores. Dois anos consecutivos, causando efeitos sobre o resultado financeiro de um evento parece ser uma conspiração.
Normalmente o sucesso ou fracasso financeiro de uma data depende apenas do comportamento econômico de um único período.
Para a Black Friday de 2015, reconhecidamente um evento em meio a uma crise econômica, o dia 27 de novembro não deverá fazer com que os gastos da população brasileira sejam elevados em valor. A penetração do evento vem crescendo a cada ano. Os gastos unitários devem ser pequenos, porém espera-se que a maior parte dos consumidores brasileiros participem deste evento.
A crise já causou o fechamento de muitas empresas que ocupam espaço físico e sujeitas a aluguel, necessidade de lugar para guardar o estoque e também sujeitas a despesas diversas como água, energia, etc. Todos estes custos se elevaram e têm causado o fechamento das lojas físicas e o crescimento do e-commerce. A “Black Friday” é um evento do e-commerce, por excelência. Esta característica colabora para que os produtos sejam oferecidos em qualquer lugar do Brasil, sem a necessidade de haver uma “loja próxima” ou com “presença física” para adquirir um bem. A população brasileira tem se sofisticado e possui cada vez mais acesso à internet. A racionalidade econômica, em consequência do nível de atividade do país, comportamento do desemprego, taxas de juros e inflação produz efeitos sobre o consumidor fazendo com que seus gastos totais com as suas compras sejam reduzidos.
Quatro aspectos, entretanto, favorecem a “Black Friday”. O primeiro é o de fazer o consumidor aproveitar os altos descontos; o segundo é o deste consumidor poder fazer antecipadamente as compras de Natal, inclusive pela internet; o terceiro é que ao realizar a compra antecipada, além do desconto, permite que o consumidor não passe pela preocupação e cansaço de comprar tudo de última hora; e finalmente, com a perspectiva de receber o décimo terceiro, o consumidor com esta renda adicional se torna mais propício ao gasto sem a necessidade de usar um crédito adicional.
A crise tem um impacto enorme sobretudo sobre o segmento de bens de consumo duráveis de alto valor. Ou seja, as vendas deste segmento sentirão diretamente o efeito das elevadas taxas de juros sobre as operações de crédito, da inflação, do desemprego e da formação das incertezas negativas sobre a economia. Este conjunto de fatores se traduzem em inseguranças, o que torna o consumidor muito mais cauteloso ao assumir um compromisso financeiro maior, tanto em valor quanto em prazo. Assim, neste segmento dos bens de consumo duráveis deverão ser procurados os eletroeletrônicos de menor valor e que ofereçam excelentes vantagens no pagamento à vista. Para os bens de consumo não-duráveis e de menor valor, se também for oferecido boas vantagens no pagamento à vista, principalmente quando o bem for destinado às crianças – com brinquedos – a data, neste ano, pode se tornar especialmente interessante para este segmento de comércio.
A inflação em alta produz um efeito perverso: reduz os descontos oferecidos sobre os preços dos produtos. A incerteza de alta da inflação faz com que o ofertante do produto fique prevenido contra um desconto elevado por ter incerteza quanto à possibilidade de recolocar o mesmo produto, por um preço atrativo no seu estoque.
Outro efeito que aumenta a cautela sobre o evento trata-se da redução na renda disponível para o consumo da sociedade, em consequência do longo processo de redução da atividade econômica. O comércio está procurando trazer esta data ao conjunto dos grandes eventos do ano: dia das mães, dos pais, namorados, Páscoa, etc. Ela é realizada quando ocorre o pagamento da primeira parcela do décimo terceiro salário dos empregados. Porém, em consequência da situação econômica, o Black Friday deste ano sentirá a menor disponibilidade de renda e esta implicará em diminuição na procura por bens.
No ano passado, houve um agravante adicional. Muitos ofertantes de produtos criaram falsos descontos. Esta ilusão não passou despercebida pelo consumidor, que chamou o evento passado de “Black Fraude”. Para contornar esta situação, quem estiver disposto a participar do evento deve ser recomendada uma pesquisa antecipada e comparativa entre os preços. Situação que é facilmente administrável pelo consumidor que possui internet.
O consumidor, neste evento de 2015, deve manter um olho em 2016. Este é o processo que não deve ser esquecido. Ele é consequência do procedimento continuado de alta nos preços administrados (tarifas dos serviços públicos), gastos com alimentação, vestuário, novos impostos e contribuições a serem implementados (CPMF, CIDE e talvez outros), alta nos custos de educação e saúde. Todos estes preços em movimento causarão um novo processo de realinhamento e de readequação nos gastos do ano que vem. Ainda temos incertezas quanto à evolução da taxa dos juros, câmbio e quanto ao comportamento da atividade econômica. As prioridades para o consumidor, portanto, estão sendo definidas e este processo dinâmico não se encerrou. A expectativa geral para este evento é de um menor faturamento em consequência da cautela que o consumidor assume diante do cenário econômico que ainda está em realinhamento e em ajuste.
A “Black Friday” deste ano deve promover uma venda mais planejada, racional e cautelosa para o consumidor brasileiro, apesar da liquidação estimular o consumidor a ir para as compras.
*Agostinho Celso Pascalichio é economista e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Formou-se em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo/SP em 1976. Obteve o título de mestre em à Teoria Econômica pela University Of Illinois at Urbana-Champaign/USA. Executivo com 28 anos de experiência nas áreas de finanças, projetos de infraestrutura, projetos sustentáveis e em macroeconomia nacional e internacional. Possui experiência de 4 anos na gestão de carteiras de renda variável. Ocupou a posição de liderança na assessoria financeira de diversos projetos. Experiência nas linhas financeiras, de abertura de capital e no mercado de comercialização de energia elétrica. Experiência financeira em projetos com o BNDES. Nas corporações multinacionais do setor elétrico estabeleceu diversos critérios financeiros que são adotados atualmente.
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