Goretti Bussolo, do instituto Todas Marias: rede de apoio capacitado para acolher vítimas (foto: Nelson Orlando de Andrade/SUDES)

“Dona Goretti, a senhora ajudaria uma pessoa que te odeia se ela pedisse ?”

“Sim, com certeza. Você é essa pessoa?”

“Sim. Pede para eu contar porque te odeio?”

“Pode me dizer porque me odeia?”

“A senhora foi na minha comunidade e me tirou uma ilusão de ser viúva…”

“Como eu fiz isso? De quem você se sentia viúva?”

“Meu paizinho morreu e eu era mulher dele desde os 5 anos. A minha mãe nunca acreditou em mim…”

“Você contou a ela então?”

“Quando ele pegou a minha irmãzinha de 8 e 9 anos, eu senti ciúme, ou não queria que ele fizesse amor com ela. Não sei mais o que sentia. Odiava e amava. Achava que amava. Você me fez sentir raiva disso tudo. Então contei partes para minha mãe, que disse eu estar louca e me mandou calar a boca.”

“Você quer falar sobre essa raiva ou o que quer falar?”

“Você falou na sua palestra das muitas mães que ficam do lado dos maridos e culpam as filhas. Que isso é abuso. Estupro ou pedofilia.”

“Acho que ele era pedófilo.”

“Não sabia que era isso. Não, não era. Me amava. Sei que me amava. Agora eu o odeio. Ele não me amou. Me estuprou. Será que estuprou? Sim percebo agora que ele me estuprou com 8, mas estávamos juntos desde os 5 anos. Dona Goretti, porque só ter conhecido a senhora para eu entender? O que foi isso? A senhora me ajuda? Quando vou ter uma psicóloga? A senhora é a psicóloga que vai me atender, né?”

“Não, menina linda, criança querida. Não sou, só estou te acolhendo com amor. Sou escuta qualificada, humanizada. Temos três psicólogos maravilhosos. Você terá suporte emocional. Essa equipe vai te orientar, te ajudar a superar essa confusão de sentimentos e a dor vai diminuir muito, um dia quando você perceber, foi embora, ou não vai doer tanto.”

“Nunca contei a outras psicólogas, não quero contar de novo.”

“Vou junto, estarei contigo inicialmente, até você confiar, como está confiando em mim. Podemos combinar assim?”

“Eu odeio a senhora, mas confio. Obrigada, dona Goretti. Me desculpe odiar a senhora, mas preciso da senhora.”

O depoimento acima é de uma menina de 12 anos, em conflito entre ser uma criança abusada ou uma “mulher” amada por seu “protetor”, moradora da Região Metropolitana de Curitiba, atendida pelo Instituto Todas Marias. Atualmente, essa criança está a salvo junto de sua família materna, morando em outro estado. O Todas Marias foi criado em 2015 por Goretti Bussolo para dar apoio a crianças, adolescentes, mulheres e LGBTQIA+ vítimas de agressão sexual e homens em situação de violência.

A própria Goretti foi vítima de agressões e por viver sob medida protetiva, foi convidada para dar uma entrevista sobre a Patrulha Maria da Penha. A repercussão da sua história de superação da violência chamou a atenção e Goretti passou a receber pedidos de ajuda de mulheres, crianças e adolescentes. Foi o impulso para criar o Todas Marias. Oito anos depois, o instituto se tornou o centro de uma rede de apoio capacitado para acolher e direcionar de forma humanizada às vítimas.

“Em lágrimas de impotência por essa dor, por tamanha confusão nos sentimentos de uma criança indefesa, voltei para casa querendo ser um pouco Deus, para dar conta de tanto sofrimento, tanta responsabilidade e preocupação com minha falta de recursos pessoal e da instituição que presido e ajudar de maneira mais concreta essa criança e tantas outras dores, segredos e conflitos oriundos da violência do homem.”

Goretti Bussolo, fundadora e presidente do Instituto Todas Marias.

FICHA
Instituto Todas Marias
Quando começou: 2015. Atua em 19 estados do Brasil e em mais 11 países.
Forma de atuação: Voluntariado.
Quais são as ações praticadas: Escuta humanizada, direcionamento para órgãos competentes, aconselhamento jurídico, atendimento psicológico e terapêutico gratuitos, encaminhamentos e cursos de capacitação profissional, oficinas e volta aos estudos
Público alvo: Mulheres, adolescentes, LGBTQIA+, crianças vítimas de violência sexual e homens em situação de violência.
Parceria com órgãos públicos: Não há.
Como colaborar: A entidade aceita doações e apoio de voluntários. Para saber mais sobre o instituto, basta acessar o site www.todasmarias.org.br. Os interessados podem entrar em contato pelo telefone (41) 99275-4809 ou pelos perfis no Facebook ou Instagram (@institutotodasmarias).

O projeto Rede do Bem
Para comemorar os seus 40 anos, o Bem Paraná criou o projeto Rede do Bem, que vai reunir o perfil de 40 entidades e ONGs de Curitiba voltadas a ajudar causas relevantes para sociedade. Até a data do aniversário do Bem Paraná, no dia 17 de junho deste ano, serão publicados os perfis das entidades às quartas, quintas e sexta, com o objetivo de divulgar o trabalho e assim fomentar a participação da sociedade.