Quando a internet começou a se popularizar, no começo dos anos 2000, abriu-se uma nova e empolgante perspectiva para os artistas: a de alcançar milhões de novos fãs de maneira fácil, simples e barata, dispensando apoio e dinheiro de grandes gravadoras. As mesmas ferramentas e canais, no entanto, estão acessíveis a todos. A vitrine ficou maior, mas a disputa por espaço também, sendo assim cada vez mais difícil ser ouvido em meio a tantas vozes, músicas e plataformas.
O DJ e produtor Waldo Squash, da Gang do Eletro, que tem seu álbum Treme incluído entre os destaques de 2013, disse que a internet facilitou muito o aprendizado e compartilhamento de conhecimento entre artistas, mas a parte de divulgação é complicada.
Diante dessa situação, artistas e seus representantes têm que dedicar boa parte do seu tempo cuidando de estratégias para chamar a atenção na rede.
Um dos dramas da minha vida é não poder me dedicar só à música, e ficar menos preocupado com divulgar o trabalho, diz Alexandre Kumpinski, vocalista da Apanhador Só, apesar de preferir a independência a se submeter a uma gravadora. A banda gravou seu álbum Antes Que Tu Conte Outra com R$ 60 mil levantados por financiamento coletivo, realizado com a colaboração de 1.300 fãs Pensamos as ações na internet como uma atividade artística, é algo que está no nosso DNA, diz o produtor Fabrício Ofuji, da banda Móveis Coloniais de Acaju. Ele conta que a interação nas redes sociais é uma forma de reproduzir a experiência dos shows do grupo. É dos shows que vêm a nossa força e também a maior parte da nossa receita, explica ele, citando um vídeo feito pela banda com fotos do Instagram enviadas pelos fãs.
Pamela Leme, diretora da Agência Alavanca, responsável pelo agenciamento de artistas como Jair Naves e Apanhador Só, diz que gerar conteúdo é fundamental para se destacar, além de colocar a música nas inúmeras plataformas à disposição dos fãs.
Antes eu fazia tudo pelo Myspace. Agora, é o Facebook, o Twitter, o Instagram e o SoundCloud. O importante é tentar agregar gente interessada, diz o DJ e produtor Péricles Martins, responsável pelo projeto de dance music Boss in Drama. Além de seu trabalho autoral, Péricles mantém o nome do projeto em evidência com remixes para artistas como Rita Lee e Gretchen.
Já o DJ Guerrinha, produtor do Rio de Janeiro conhecido por seu trabalho com a banda Dorgas, diz que às vezes o melhor caminho está fora da rede, em vez de simplesmente colocar no ar mais “lixo digital”. Ele resolveu gravar CDs em casa com seu trabalho e enviar pelos correios para interessados, principalmente para ouvintes da Europa. “Só hoje botei 20 no correio.”
DAFT PUNK FEZ VIRAIS; BEYONCÉ, SURPRESAS
No exterior, o ano de 2013 foi marcado por estratégias de impacto em vários lançamentos. O Daft Punk soltou inúmeros teasers de seu álbum, “Random Access Memories”, que se tornaram virais. Já a dupla eletrônica escocesa Boards of Canada promoveu uma verdadeira “caça ao tesouro” para antecipar a chegada ao mercado de seu novo álbum Tomorrow’s Harvest.
Quando esteve na Europa em turnê, o DJ e produtor Waldo Squash, da Gang do Eletro, afirma ter visto a imagem dos capacetes característicos do Daft Punk por toda parte, “uma lembrança constante do lançamento do disco”.
O componente visual é também primordial para a divulgação do trabalho da Gang do Eletro, segundo Squash. “Através de nossa fanpage no Facebook, convidamos as pessoas a assistirem os vídeos no nosso site”. Para seu último clipe, “Velocidade do Eletro”, foi dado “tratamento especial”.
“Ser um artista hoje em dia significa ser constantemente criativo, construir uma audiência e fazê-la te acompanhar”, resume o jornalista e blogueiro norte-americano Bob Lefsetz, veterano da indústria, em um artigo recente sobre o novo álbum da cantora Beyoncé.
Ao contrário de concorrentes como Lady Gaga e Katy Perry, que anteciparam longamente seus álbuns, a cantora de “All The Single Ladies” simplesmente apareceu com um álbum novo em folha que não foi antecedido por nenhum aviso ou divulgação. Apesar disso, o disco vendeu mais de 1 milhão de unidades, em menos de uma semana, apenas pela iTunes Store, loja virtual de música da Apple onde o álbum foi oferecido com exclusividade por uma semana.
O caso da cantora, no entanto, é uma exceção à regra. No mesmo artigo, Lefsetz comenta que, se um artista qualquer lançar um disco sem nenhuma publicidade prévia, nada irá acontecer. “Ela trabalhou durante muitos anos para conseguir chamar atenção para qualquer coisa que fizer”, explica o jornalista. Pamela Leme, da Agência Alavanca, concorda. “O que ela fez não cabe para o universo dos artistas independentes. Cada músico tem um público com comportamento diferente. Para nós, tem dado certo trazer o ouvinte para perto do processo de se fazer um disco.”
Para Péricles Martins, do Boss in Drama, o caso de Beyoncé é relevante por apontar que não existem regras para a divulgação de um novo trabalho. “A Lady Gaga gastou US$ 25 milhões para divulgar seu novo disco, o ARTPOP, durante quase dois anos, e vendeu 200 mil cópias na primeira semana. Beyoncé só usou o fator viral e vendeu mais de um milhão de discos. É uma coisa louca”, resume o DJ curitibano.
NO FACEBOOK, FANPAGE É QUASE OBRIGATÓRIA
No Facebook, é obrigatório todo artista ter sua “fanpage”, onde se divulgam informações e amostras do trabalho. Nestas páginas, um número alto de “curtidas” pode ser um índice da popularidade do artista, como no caso das quase 90 mil “curtidas” na página do Móveis Coloniais de Acaju.
Mas nem todos as “curtidas” são reais como as do Móveis. Há relatos de muitos artistas que participam de esquemas para inflar artificialmente sua popularidade nas redes. “Tenho amigos que fazem isso e acho triste”, conta Guerrinha. “Acredito que existam formas bem mais inteligentes de aparecer.”
Para Péricles Martins, os números não determinam muitas coisas. “Prefiro ter menos seguidores, mas que acompanhem o meu trabalho, do que ter muita gente que queira só dar risada do que eu falo.” O funkeiro MC Guime, um dos maiores sucessos do YouTube brasileiro, com mais de 40 milhões de visualizações de seu hit “Plaque de 100”, acredita que “a credibilidade é mais importante”.
STREAMING ESTÁ CADA VEZ MAIS POPULAR
Anunciadas como “a nova forma de ouvir música”, plataformas de streaming como Deezer, Rdio e Spotify cada vez mais populares, se tornaram canais obrigatórios, ainda que controversos. Como ouvinte, acho esses serviços incríveis, mas o que eles pagam para o artista é uma vergonha”, diz Péricles.
Alexandre, do Apanhador Só, questiona se esses serviços não estão na contramão da internet, ao possivelmente beneficiar mais a indústria do que o artista. Mesmo assim, reconhece ser vantajoso ter sua obra disponível por ali, dentro da lógica de oferecer o maior número possível de opções ao ouvinte.
O Móveis Coloniais de Acaju, que teve seu mais recente disco De Lá Até Aqui divulgado com exclusividade no Deezer, garante que a ação foi positiva. “Nossos fãs tiveram contato com o serviço e muitos usuários deles nos conheceram. Na semana de lançamento, fomos a 2ª banda mais ouvida no Brasil, só atrás da Anitta”, conta Ofuji.