As expressões que os artistas fazem em cena não estão longe das caras e bocas que exibem fora da TV. Entre quatro paredes, com um fonoaudiólogo, eles se dedicam a exercícios que os ajudam a suavizar o sotaque aparentemente normal, mas inadequado para determinados personagens. Surfista carioca com acento de interior de São Paulo soaria inverossímil, assim como uma fala repleta de chiados não se afinaria com um tipo paulistano. Por isso, atores e atrizes são impelidos a procurar profissionais especializados em deixar seu sotaque neutro.
A neutralidade existe, apesar de o “carioquês” ser bem mais recorrente na TV Globo que as outras entonações. O meio-termo está na pronúncia contida de vogais, ‘erres’ e ‘esses’, como fazem William Bonner e Fátima Bernardes, por exemplo. Seu jeito de falar é a meta de sotaque de muitos atores cariocas.
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Cleo Pires e Daniele Suzuki, que interpretam Margarida e Alice na novela “Ciranda de Pedra”, precisaram caprichar nos exercícios de prosódia (estudo da entonação e do ritmo da fala) para diminuir a referência ao Rio de Janeiro que seus “esses” com som de “xis” traziam. Afinal, a trama está ambientada em São Paulo. “As aulas (com a fonoaudióloga) eram mais um artifício para tirar o carioquês e colocar um sotaque mais paulista. Mesmo que não conseguíssemos falar como os paulistas, pelo menos que não falássemos como cariocas”, fala Dani. “A professora está presente nas gravações para não ter furo.”
A preocupação é válida: no estúdio carioca, um maneirismo do Rio pode passar despercebido. Mas dificilmente ocorreria o mesmo com a pronúncia “caipira”. Natural de Jacarezinho (PR), Grazielli Massafera procurou ajuda de uma fono para deixar de arrastar os “erres”, em nome da profissão. Ela quer o mesmo que a maioria dos atores busca no consultório de Leila Mendes: chegar ao padrão Globo de sotaque. Profissional responsável pela voz de vários artistas da emissora, Leila esclarece que “suavizar o sotaque” não é uma imposição da casa, mas uma necessidade de alguns artistas. “Geralmente, eles querem o sotaque neutro, ou seja, falar de um jeito que, quando a pessoa ouve, não sabe direito de onde você é.”
Leila teve êxito ao ajudar sua filha, Bianca Comparato, a Luíza de “Beleza Pura”, a não ser identificada como carioca quando precisa viver uma nordestina ou uma paulista. “Minha mãe me passou uma série de exercícios diários que envolvem respiração e articulação. É como se fosse um aquecimento para o dia de trabalho”, conta. “Além disso, todo domingo nós passamos os textos que vou gravar na semana.” É quando o ouvido treinado da especialista encontra trechos em que o lado carioca da filha vem à tona.
Mesmo quem não tem uma consultoria vip como Bianca consegue melhorar a dicção, o sotaque e a entonação com acompanhamento profissional. E pode ser rápido. Leila lembra o caso da atriz Juliana Baroni, que ganhou um sotaque desvinculado de sua terra natal, Limeira (SP), com apenas “duas aulinhas”, por aptidão.
O problema é quando o paciente resiste. A especialista Marta Assumpção de Andrada e Silva, professora da PUC-SP, conta o caso de um ator carioca que a procurou para tirar o “carregado” do sotaque, que o fazia perder trabalhos na capital paulista. “Mas a questão primordial era que ele detestava morar em São Paulo e falar como paulista. Era um carioca da gema e manter aquele sotaque era manter suas raízes.” Sotaque, diz Marta, tem a ver com identidade. Mas pode atrapalhar se for marcante demais, no caso dos atores e dos jornalistas.
A fonoaudióloga da TV Record, Vanessa Pedrosa Vieira, diz que é possível amenizar sotaques e regionalismos para o trabalho ou o dia-a-dia com um trabalho de três fases. A primeira é identificar o sotaque do paciente, depois criar um novo padrão e em terceiro lugar vem o treino. “Respeitamos o padrão de cada região suavizando apenas o que atrapalha a compreensão”, explica Tanto trabalho para, na maior parte das vezes, o sotaque sequer ser percebido pelo público. Sem problema. Como diz Leila Mendes, é isso mesmo que eles querem.