Cannes se entrega à perversão com filme de Haneke e Lanthimos

Folhapress

GUILHERME GENESTRETI, ENVIADO ESPECIAL*
CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – O Festival de Cannes se abriu para a perversidade com a exibição de “Happy End” e “The Killing a Sacred Deer”, dois títulos em competição que reafirmam a sordidez da obra de seus diretores -respectivamente, o alemão Michael Haneke e o grego Yorgos Lanthimos. Em ambos os casos, a repercussão foi abaixo do aguardado.
Do primeiro esperava-se um drama que abordasse a questão dos refugiados, tema quente na Europa e que tem refletido na produção do continente. Ao menos, era assim que a imprensa internacional se referia a “Happy End”, tendo em vista que Haneke andava filmando em Calais, cidade no norte da França que até o ano passado concentrou um gigante campo de refugiados chamado de “a selva”.
Os refugiados até aparecem numa cena chave, mas estão longe de ocupar o coração do filme, que se volta para o retrato de uma família abastada, que é um pouco a epítome da Europa branca.
O universo nesse longa de título irônico (“final feliz”) é o típico de Haneke: há espancamento, perversões sexuais, morte de animais, tentativas de eutanásia, comentários xenofóbicos…
O patriarca da família, vivido por Jean-Louis Trintignant, é um octogenário que tenta a todo custo dar cabo da própria vida desde que morreu sua mulher (um eco inegável com o personagem que o ator interpretou em “Amor”, filme anterior de Haneke).
Isabelle Huppert vive uma das filhas dele, mais uma mulher durona em seu currículo, e Mathieu Kassowitz faz o outro filho, sujeito que tem de voltar a viver com a filha adolescente, Ève (Fantine Harduin), após a mãe dela sofrer overdose de antidepressivos.
Ève registra o cotidiano de sua família por meio do celular -a cena que abre o longa é a tela do que parece ser a câmera de alguma rede social. Outra tela virtual que ocupa boa parte do longa é aquela em que o personagem de Kassowitz troca mensagens eróticas com uma amante.
“Não dá para discutir o mundo hoje sem falar das redes sociais”, disse Haneke em entrevista coletiva. “É difícil falar dos tempos atuais sem abordar o quão cegas as pessoas estão para certos temas. Temos a impressão de estarmos mais bem informados, mas na verdade não sabemos nada. Só sabemos o que experimentamos com a prática.”
O diretor de “A Professora de Piano” (2001) e “A Fita Branca” (2009) também foi levado a falar da fama de perverso. “Não sou tão mal assim”, brincou.
Coube a Fantine encorpar o coro da defesa: “Ele é muito meticuloso, mas é bondoso”.

*O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Cannes