A maioria dos atores sonha interpretar um vilão. Caio Blat, contudo, ficou inquieto com o convite para fazer o mau-caráter Afonso, de “Ciranda de Pedra”, da Globo. O ator não queria apenas mostrar o lado mau do alpinista social. Então, decidiu explorar também a faceta humana do personagem. Uma ousadia no gênero, acredita.
“Afonso é um grande vilão, tem uma ambição desmedida. Não apresenta crise de consciência. Tive que trabalhar com a inocência que ele acha que tem e o fato de se sentir injustiçado para mostrar o outro lado. Não quero defender o personagem, ele vai se defender sozinho”, diz. “Se eu fosse só trabalhar o vilão, ficaria raso. Quero ter a simpatia das pessoas, a dúvida. Quero que fiquem no ‘olha como ele é legal, olha como não é legal’.”
A mudança no perfil do tipo foi aprovada pela direção e pelo autor da trama das seis, Alcides Nogueira, segundo o artista. “A novela busca a sinceridade, é uma linha que a gente adotou. Não adianta fazer só vilão, um moleque de 20 anos não é um crápula. Ele quer as coisas que os playboys têm”, fala. “Falta isso nas novelas. O vilão é sempre maniqueísta. Sempre faz uma coisa horrível e olha para o lado com aquela cara (de mau) para a câmera dar um close.”
O objetivo de Afonso é circular pela alta sociedade da São Paulo de 1958 (local e período em que se desenrola a história). Os primeiros passos para conseguir o que quer são forjar um diploma de Direito e ganhar uma vaga de estagiário no escritório de Natércio (Daniel Dantas). Logo, patrão e empregado descobrem afinidades, e o advogado passa a enxergar no jovem seu sucessor. Tanto que arma o casamento do falsário com Bruna (Anna Sophia Folch), uma de suas filhas.
“Trabalhar com o dúbio, o imprevisível, o virtuoso, é bom. Gosto muito do conceito zen que, ao contrário do que as pessoas pensam, é neutro, não é bonzinho. Esse estado pode surpreender e levar o doce a fazer vilanias.”
O ator buscou detalhes da época em palestras promovidas pela emissora e em clássicos do cinema. “Minhas referências são as reuniões com o elenco e o mundo dos trapaceiros (da sétima arte) nos anos 50. Mas não James Dean e Marlon Brando, puxei os filmes italianos. Vi muita coisa do (Marcello) Mastroianni para ficar com outro clima, sair do de sempre.”
Caio surpreende ao contar que o processo de composição de Afonso tem semelhanças com o laboratório que fez para compor Macu, do filme “Bróder”, de Jeferson D – ainda sem previsão de estréia -, e seus outros papéis. O longa tem como cenário o Capão Redondo, e ele se mudou para o bairro durante as filmagens. O que um rapaz fictício de época tem a ver com um contemporâneo? O intérprete explica: “Sou inseguro, isso me faz estar sempre em busca de mais. Morar na favela, mergulhar fundo no trabalho, faz parte da minha insegurança”, revela. “A TV não tem espaço para isso (morar em uma favela para fazer laboratório) porque uma novela envolve uma megaestrutura, mas o ator tem que fazer seu trabalho (de composição) como dá.” ”