Conheça quem seleciona as cartas do “Construindo um Sonho”

Os responsáveis pela tarefa são especiais. Mesmo.

Agência Estado

Muita gente manda cartas para aqueles programas de TV que realizam sonhos dos telespectadores com o pessimismo na ponta da caneta. “Ih, é bem capaz de ninguém ler isso…”, pensa o desempregado que quer reformar a casa, a jovem que deseja um casamento de princesa, o estudante que não tem verba para transformar a sua lata velha em um possante. Mas, pelo menos no quadro Construindo um Sonho, do “Domingo Legal” (SBT), cada linha escrita pelo público é lida, sim. E não por produtores apressados ou estagiários despreparados: os responsáveis pela tarefa são especiais. Mesmo.

Três portadores de deficiência foram contratados pelo diretor-geral do “Domingo”, Homero Salles, para dar conta das milhares de cartas que chegam à produção do quadro toda semana. Deny Martin Lopes, de 27 anos, tem um problema neurológico; Sérgio Henrique Marfil Fernandes, de 40, possui deformação óssea nas costas; e Felipe Angelin de Oliveira, de 23, é cego de um olho.

“No começo do Construindo um Sonho, estagiários liam as cartas. Mas, por serem muitos novos, não conseguiam detectar o drama das histórias”, lembra Salles. “Depois, apostamos em professoras aposentadas. Foi terrível.” Segundo o diretor, ao contrário dos estagiários, as mulheres se envolviam de tal forma com os relatos que passavam o dia inteiro chorando. “Quase precisei colocar um psicólogo entre elas.” Tanta emoção prejudicou a razão e, outra vez, a empreitada não deu certo. Foi então que Salles pensou em pessoas com necessidades especiais – “experts” em lidar com dificuldades e preconceitos. “Vi que as cartas deveriam ser lidas por gente com vivência, que saberia reconhecer o sofrimento das pessoas, mas com discernimento.”

Após um extenso processo de seleção, sobraram Deny, Sérgio e Felipe. O tiro foi certeiro, garante Salles. “Com eles, passamos a dar dignidade a quem nos escreve. E a eleger as melhores histórias para o quadro.” Desde então, pessoas com vidas sofridas já tiveram casas reformadas, casamentos realizados – houve até quem ganhasse lanchonetes e padarias.

Em uma sala tomada por caixas e sacos plásticos entupidos de envelopes, cada um dos três funcionários lê, em média, 100 cartas por dia. Eles selecionam as histórias seguindo, em primeiro lugar, critérios técnicos, como a localização do remetente e o grau de dificuldade da empreitada. “Depois, entra a sensibilidade”, explica Salles.

“A experiência pessoal sempre conta no trabalho”, emenda Felipe. “Sabemos detectar uma história pelo seu merecimento.” Deny concorda: “Escolhemos as cartas levando em consideração também a força de vontade de quem escreve.” E os três são unânimes em dizer que não se deixam levar pela emoção. “Chegam histórias muito fortes, não podemos nos envolver muito”, fala Felipe. Nos últimos meses, o quadro recebeu mais de 500 mil cartas.