AMANDA RIBEIRO, ENVIADA ESPECIAL
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – O escritor e empreendedor social carioca Anderson França, o Dinho, supostamente ameaçado de morte depois de denunciar em sua página do Facebook um autor de comentários preconceituosos, participou por videoconferência da mesa Literatura em Todas as Plataformas na programação paralela da Flip desta sexta (28).
Sem mencionar o incidente que o obrigou a cancelar sua vinda à festa, França começou sua fala expondo as dificuldades de acesso à leitura pelos jovens de periferia, que não têm condições nem de frequentar a escola.
“Boa parte da juventude não tem ‘fetiche por livro’ porque não tem condições, porque é muito pobre. Essas pessoas não têm acesso ao tecido social que permite que os livros se tornem objetos de desejo”, disse ao responder ao jornalista do G1 e mediador, Cauê Fabiano, que perguntou se a juventude ainda tinha “fetiche por livros impressos”.
França cancelou sua vinda a Paraty depois de ter sido ameaçado de morte por Ricardo Wagner, suposto autor de declarações racistas, xenófobas e homofóbicas. Wagner teria ameaçado França depois que o escritor o expôs para seus cerca de cem mil seguidores do Facebook.
O escritor é conhecido por escrever crônicas na rede social sobre o cotidiano da periferia carioca e os embates diários com o racismo.
A mesa, que discutiu as possibilidades e inovações da leitura digital, teve pouco entrosamento entre os participantes, que não se arriscaram no debate e preferiram comentar apenas seus projetos pessoais.
Além de França, participaram os escritores Cássio Aguiar, fundador da Trendr, revista colaborativa da plataforma digital Medium, e Chris Salles, uma das autoras mais lidas no “Wattpad”, plataforma canadense de leitura digital.
As falas do cronista carioca tiveram de ser interrompidas e reiniciadas várias vezes durante a mesa em razão de problemas no áudio. Ao longo do debate, as pessoas foram abandonando o auditório, que ficou com as últimas fileiras vazias.
Enquanto França adotou um discurso de caráter social, criticando o racismo, a misoginia e o machismo intrínsecos aos seres humanos, e a propagação do discurso de ódio na internet, os outros dois autores preferiram focar em suas experiências de publicação em plataformas sociais e colaborativas.
Como vantagens dessas plataformas, Salles e Aguiar citaram a proximidade com os leitores, a facilidade de ampliar o debate em seções de comentários e, principalmente, a democratização do acesso. “O Wattpad me mostrou que qualquer um pode ler e escrever. Se nasceu no morro ou em Copacabana, não importa”, disse Chris Salles.
As plataformas também podem servir como vitrine para novos escritores que não conseguirem passar pelo crivo de editoras. Livros de poesia ou romances policiais, que segundo Salles não têm muita visibilidade no mercado brasileiro, podem chamar a atenção de editores ao se popularizarem na internet.
Esse foi o caso da própria Salles, que lançou recentemente o livro “O Diário Internacional de Babi” pela editora Planeta depois de fazer sucesso no Wattpad.
Aplaudido depois de quase todas as suas falas, França expôs a efemeridade da internet e defendeu que não se pode comparar um escritor digital, que publica nas redes sociais, a outro que produziu obras literárias consagradas.
“Eu escrevo posts na internet, só isso, é efêmero. Eu não tenho que permanecer, quem tem que permanecer é o Saramago. As falas na internet não são feitas para durar, eu não acredito nisso. Eu não posso esperar que me deem um Nobel por escrever um post”, disse.