Só se fala nos dalits em Caminho das Índias. Também chamados de intocáveis – que não pertencem a nenhuma casta na sociedade indiana -, eles ensaiaram uma revolução na novela das nove para tentar ter os mesmos direitos dos “superiores”. Só na novela. O drama retratado por Glória Perez não corresponde mais à realidade, segundo indianos que vivem hoje no Brasil. Eles não perdoam: acham a novela equivocada culturalmente e muito atrasada no tempo. “Os dalits não são mais pessoas discriminadas na Índia. A autora precisa atualizar essa novela, tudo o que vejo lá é de, pelo menos, 60 anos atrás”, patrulha Dinesh Rajput, de 36 anos, que vive no Brasil há 11 anos.
De acordo com o indiano, é difícil acompanhar uma trama que “insiste em mostrar coisas erradas de seu país”. Mas Dinesh não aponta só a questão dos dalits como equivocada na trama de Glória Perez. “Nós indianos ficamos aflitos em ouvir as gírias erradas. ‘Badi’, por exemplo, que é usada em referência ao pai, está errada. ‘Badi significa balde, ‘Babadi’ que significa pai”, explica. “Se não bastasse o exagero da questão dos dalits, teve ainda a relação sexual entre Maya (Juliana Paes) e Bahuan (Márcio Garcia). Aquilo foi um choque para nós”, diz o indiano.
Bianca Shiva Nandini, monja e presidente da Associação Cultural Brasil Índia, explica que, fora da ficção, o casal seria punido. “Existe uma cultura de respeito muito forte por instituições como a família e o casamento. Na vida real, com certeza, a Maya seria expulsa da família e excomungada caso se envolvesse com um intocável, alguém que não é de confiança”, fala. “Nenhum pai indiano que se preze deixaria isso acontecer impunemente”, opina
Kiran Patil, sobrinho de Dinesh, que está no Brasil há um ano, discorda da monja e diz que “Caminho das Índias” exagera no tradicionalismo. “Eu acabei de chegar da Índia, e as coisas não são como é mostrado na novela. Eu não tenho vontade de ver a novela, justamente por ver coisas tão diferentes da realidade. É tudo muito desatualizado.”
Até o protagonista Márcio Garcia, que vive o dalit Bahuan, concorda com os indianos e diz que a trama é apenas um “recorte” da realidade. “A Índia é muito grande, e a Glória optou por retratar apenas uma parte dela, e então generalizou a questão dos dalits. Quando viajamos para lá, notamos que, nas metrópoles os dalits realmente não são mais tratados como excluídos, mas no interior isso ainda é uma realidade”, explica. Glória Perez, por sua vez, insiste em que a pesquisa feita por ela e sua equipe, em sites de relacionamento e blogs, é fiel à realidade atual do país. “A situação dos dalits mostrada na novela é cor-de-rosa em comparação com que eles vivem lá”, diz à Agência Estado.