Ele nunca esteve tão assustador. Elogiado pela crítica no papel do bandidão Jacson, na novela “Vidas Opostas”, da Record, o ator Heitor Martinez, 39 anos, afirma que, depois de seis meses de trabalho, pode considerar o marginal seu personagem de maior repercussão. Se o classifica como um marco na carreira? “Não. Marco é algo passageiro, substituído, fica para trás. Acredito que a vida vá se construindo dia após dia”, enfatiza ele, que hoje é um dos nomes de peso do elenco da Rede Record e tem contrato assinado com a emissora até 2009.

Apesar de evitar o assunto “marco”, depois de 14 anos de carreira em papéis como o cruel Alexandre em “Fascinação” (1998) do SBT, e o engraçado Rolando de “Uga Uga” (2000), da Globo, o personagem que lidera o tráfico de drogas e os criminosos do fictício Morro do Torto, na trama da Record, consagrou o ator por sua versatilidade e pela incrível semelhança com bandidos que têm os rostos estampados nos jornais.

Impetuoso, Jacson é obcecado por vingar a morte do irmão, Jéferson (Ângelo Paes Leme). O fato de ter tirado a mocinha da novela, Joana (Maytê Piragibe), dos braços do bom moço Miguel (Leo Rosa), só fez aumentar a crueldade do vilão, que falou, por telefone do Rio de Janeiro, à Agência Estado.

Como construiu o Jacson para que ele fosse um bandido convincente?

HEITOR MARTINEZ – Não cheguei a conviver com bandidos, mas como moro no Rio, não estou tão distante da realidade dos morros. Aqui, a gente tem algumas gírias difundidas. E eu sempre estudei em escola pública, não sou um burguesinho alienado. No começo, segui muito a sinopse do Marcílio (Moraes, autor da novela) e busquei dentro de mim sentimentos como a raiva, a revolta, e os deixei aflorar. O que me ajudou muito, também, foi que durante os três primeiros meses da novela, gravamos dentro de um presídio.

E teve contato com os presos?

HEITOR MARTINEZ – Não, só usamos a locação mesmo.

Nas ruas, como você é recebido?

HEITOR MARTINEZ – Esse é meu trabalho de maior retorno do público, é o papel mais forte que já fiz na TV, sem dúvida. E chega a ser engraçado, porque apesar do Jacson ser um vilão, as pessoas não me apedrejam, pelo contrário, sempre me recebem com sorrisos e me elogiam, vêm comentar as atitudes do Jacson. Às vezes também falam que estou muito bravo (risos).

É complicado se desvincular de um personagem tão forte?

HEITOR MARTINEZ – Nos primeiros três ou quatro meses foi muito difícil. Chegava em casa exausto, só queria dormir. Eu ficava com uma energia muito ruim, que não conseguia descarregar, não sabia trabalhar direito com isso.

Você trabalhou na Globo por 10 anos. Acredita que teve na Record uma oportunidade que não teria na emissora líder?

HEITOR MARTINEZ – Acho que dificilmente teria essa oportunidade na Globo. O Jacson não é um personagem que seria escrito lá, não vejo espaço para ele numa novela da emissora. Na Globo, eu tive várias chances, mas foram papéis secundários. Na Record, pude mostrar versatilidade.

PERFIL

Formado em jornalismo, o ator Heitor Martinez ingressou na dramaturgia aos 25 anos, sem pretensões de seguir na área. Mesmo assim, recebeu alguns convites para o cinema e estreou em “Tieta do Agreste”, de Cacá Diegues. Em 1995, o ator iniciou na TV como o surfista Mobral na novela “Cara & Coroa”, da Globo. Seu último trabalho na emissora foi em “Senhora do Destino” (2005). Depois disso, assinou contrato com a Record, e viveu Felipe em “Prova de Amor”.

Realismo é a arma para garantir audiência

Faltando menos de dois meses para o fim das gravações de “Vidas Opostas”, a novela fez jus às promessas dos diretores da emissora e do autor, Marcílio Moraes: incomodou a Globo. Ainda no lançamento do folhetim, em novembro do ano passado, a emissora apostava no realismo da trama como uma forma de arrebanhar telespectadores. E a estratégia, questionada por muitos, acabou dando certo.

Cenas de seqüestros, tiroteios, assaltos, mortes e capítulos cheios de violência renderam a “Vidas Opostas” bons índices de audiência – atualmente a média é de 17 pontos no Ibope, mas a novela chegou a deixar a Record na liderança do horário ( no capítulo de 31 de janeiro, a trama bateu 26 pontos, o maior pico de audiência registrado pela atração, segundo a assessoria de imprensa da Record). “A novela faz sucesso porque mostra a realidade, sem maniqueísmo. ‘Vidas Opostas’ tem um núcleo forte da favela, mostra as dificuldades dessas pessoas. Os telespectadores abrem o jornal no dia seguinte e está lá exatamente o que eles viram na noite anterior”, opina Heitor Martinez, que interpreta um traficante.

Para Marcílio Moraes, o autor, não são só os assuntos espinhosos que atraem o público. Ele acredita que o amor da garota pobre, Joana (Maytê Piragibe), e do galã rico, Miguel (Leo Rosa), também tenha motivado o sucesso. “Quando falam na trama, sempre tocam na questão da violência, mas não é só isso. Ali estão presentes todos os elementos de uma novela, como o romance”, defendeu o escritor em entrevista recente à Agência Estado.