Nem adianta torcer o nariz para “Zorra Total”. Inspirado no humor quase óbvio dos anos 60, a atração completa oito anos ininterruptos no ar no próximo dia 25. E, por mais que receba pedradas, está entre os dez programas mais vistos da TV Globo – à frente, por exemplo, do “Fantástico”. No mês passado, a audiência média de “Zorra Total” chegou a 33 pontos – isso, vale lembrar, em pleno sábado à noite. O segredo? Um braço experiente por trás câmeras: Maurício Sherman, 75 anos.
Típico homem de TV, está em cena desde as primeiras transmissões no País. Foi ele quem criou os grandes clássicos do riso nacional, como “Planeta dos Homens”, “Balança Mais não Cai” e “Chico Anysio Show”. De quebra, ainda lançou Xuxa e Angélica como apresentadoras. Agora, luta para conservar sua cria. No intervalo das gravações, em entrevista exclusiva à Agência Estado, diz que seu maior concorrente é a própria “Globo”, que vive a tirar dele os melhores de “Zorra Total”.
AGÊNCIA ESTADO – Críticos dizem que o humor de “Zorra” é velho, nos moldes de “A Praça é Nossa”, que nasceu nos anos 50. Por que ainda funciona?
MAURÍCIO SHERMAN – A visão crítica sempre quer catalogar as coisas. Há um certo ranço com tudo aquilo que você não é capaz de eliminar. Anos 50? Oras, o humor de Chaplin é de 1910 e até hoje provoca risos. A criança de 1910 ria com Chaplin e a criança de hoje também ri. Ele não fez um gênero diferente do que hoje faz o Jim Carrey no cinema. Aquelas caras que ele faz são as mesmas caretas do cinema mudo. Só existe um tipo de humor: o engraçado. Humor é muito bom para a saúde, isso já foi comprovado. O segundo orgasmo é quando você chora de tanto rir. O drama e a tragédia trazem a ‘brochice’. Morrer em cena é muito fácil, difícil é fazer comédia. Se ninguém ri do ator, quem morre é ele.
AE – Mesmo assim, humoristas são vistos como atores menores, não?
MAURÍCIO SHERMAN – Atores de drama amam fazer drama porque assim se exibem sem o compromisso de arrancar a gargalhada, mas também não conseguem saber se o trabalho que fazem é bom ou ruim. É mais cômodo se esconder atrás do drama. E olha, já vi muito ator sair de cena envergonhado – e me refiro a atores sérios, bons mesmo – porque não conseguia divertir ninguém. No fim das contas o ‘Zorra’ acabou alimentando todos programas de humor da Globo. A Cláudia Rodrigues montou ‘A Diarista’, a Maria Clara Gueiros foi para aquele ‘Minha Nada Mole Vida’, o Lúcio Mauro Filho é de ‘A Grande Família’, a Heloísa Perissé tem seu quadro no ‘Fantástico’… E todos eles eram do ‘Zorra’! É assim: todo mundo critica, mas quando precisam de atores bons para humorísticos ou para as novelas da sete, vêm aqui buscar. E eu tenho que brigar para não deixar. Meu rival não é a Record ou a Band, é a própria Globo.
AE – O senhor é um dos homens mais experientes da TV. Por que o público ri há anos das mesmas piadas? A do caipira, a do homem traído …
MAURÍCIO SHERMAN – Você come arroz e feijão há anos, não é ? Ficou bom para o brasileiro e nunca mais mudaram. Algumas coisas são perfeitas, só precisam ser aprimoradas. As coisas que faço hoje na TV são as mesmas que fazia no rádio dos anos 50. E, já naquela época, me diziam que era um humor velho. A diferença é que no rádio os programas duravam meia hora. Já na TV, precisavam preencher a hora toda e às vezes acabavam perdendo o ritmo. E a base do humor é sempre um timing perfeito. No rádio ou na TV, a essência do humor é universal. Tanto é assim, que copiamos americanos e europeus. O público ri do caipira porque ele representa a maioria do povo brasileiro. Até hoje, as pessoas que o povo escolhe para representá-lo na política, para comandar Estados e País, têm um quê de caipira. Não são os sofisticados que ganham a simpatia popular, não são os que vêm das coberturas. Nossos representantes vêm dos grotões. E a TV é o meio que chega aos grotões. O teatro e o cinema não fazem isso Acho que nada é mais adequado para este País do que a TV. E a TV brasileira é um pouco melhor que o próprio Brasil.
AE – Muito da história dessa TV foi o senhor quem escreveu. Como foi isso de descobrir a Xuxa, olhou para ela e viu uma estrela?
MAURÍCIO SHERMAN – Sou muito intuitivo, isso é uma qualidade. E comecei a carreira como ator, era um bom ator, ganhei prêmios. Não apareci de repente, como um estranho no ninho. Assim como um fox terrier, tenho também faro. No caso da Xuxa, foi um acúmulo de experiências. Na década de 50, eu havia feito um infantil com a Virgínia Lane em que ela aparecia vestida de coelhinha, com as pernas de fora. As menininhas se tomaram de amor por ela! Era uma vedete, toda sensual … Por que gostaram dela? Eram as pernas, as pernas longas! São as meninas quem fazem as estrelas. Acho que olham para uma mulher bonita e se projetam nela, vêem que as bonitas têm mais chance de se casar.
AE – E escolheu Xuxa pelas pernas?
MAURÍCIO SHERMAN – A Neide Silva foi uma outra coqueluche entre as meninas. E também tinha pernas belíssimas. Então, estava registrado um tipo de comportamento. Andei me perguntando sobre isso naquela época… Não sou antropólogo, sociólogo, nem quero discutir se é certo ou errado fazer de um símbolo sexual um ícone infantil. Só sei que vislumbrei em Xuxa a síntese de Virgínia Lane. Ela gosta de dizer que me inspirei em Marlyn Monroe, mas não é verdade. Lembro bem do rosto da mãe de Xuxa quando eu disse que a filha dela seria uma apresentadora infantil. Era uma expressão de puro espanto! Com Angélica foi diferente, ela tinha 12 anos e eu não queria repetir o modelo-Xuxa. Um sucesso rende apenas uma cópia boa. É por isso que apenas um dos imitadores de Roberto Carlos se deu bem.