GUILHERME GENESTRETI, Enviado especial*
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Exibido na manhã desta segunda (19) no Festival de Berlim, Utøya 22.Juli deve se consagrar como um dos filmes mais perturbadores do ano. Por meio de um falso plano-sequência (sequência sem cortes), o longa de Erik Poppe recria os 72 minutos em que um terrorista de extrema-direita matou 69 jovens acampados numa ilha próxima a Oslo, em 2011.
O filme não mostra o atirador. Mas os onipresentes sons de disparos, a correria das vítimas e a câmera na mão incrementam a sensação de tensão numa clara tentativa de transportar o espectador para a ilha que sediou a tragédia.
Na Europa de hoje, com o neofascismo crescendo, eu tinha que lembrar as pessoas do que aconteceu naquele lugar, disse Poppe em conversa com a imprensa após a sessão. E queria mostrar que por 72 minutos aqueles jovens estiveram sozinhos.
O diretor não poupa o espectador. São várias as cenas em que quer embutir realismo aos horrores perpetrados: numa delas, uma garota que acabou de morrer recebe a ligação da mãe no celular; noutra, um menino em pânico fica em estado de choque e não consegue se mexer.
Utøya começa com cenas documentais das explosões em Oslo que precederam o ataque na ilha. Rumores sobre o atentado começam a pipocar no acampamento, a 40 km dali, onde ocorre um encontro de jovens ligados ao Partido Trabalhista da Noruega, de inspiração esquerdista.
É nesse cenário que se encontra Kaja (Andrea Berntzen), personagem de 18 anos inspirada, como os demais, nas vítimas reais do ataque. Nos 12 minutos iniciais, ela repreende a irmã descuidada, socializa com os outros jovens e troca algumas impressões sobre o que pode ter ocorrido na capital.
A calmaria é quebrada com um grupo de jovens que surge repentinamente em correria. Sem entender o que houve, Kaja e os outros se abrigam numa casa e ouvem os disparos sem entender o que está havendo.
A partir dali, como se grudada nas costas da protagonista, a câmera vai segui-la como num esconde-esconde entre vítimas desesperadas e cadáveres jazendo às dezenas no chão. Boa parte da correria é permeada pela confusão dos personagens, que não sabem quem nem o porquê de estarem sendo massacrados nessa obra de tensão psicológica lancinante.
A ideia era representar aquilo muito próximo do que ocorreu. Mas os personagens são fictícios por questões éticas, para que os parentes não tivessem que reviver o que ocorreu a seus filhos, disse o diretor, que contou com sobreviventes no set para ajudá-lo a recriar o ataque.
Três desses sobreviventes vieram a Berlim para a estreia do filme e foram aplaudidos pela imprensa. É impossível contar o que houve, disse uma das jovens. Só consigo descrever aquilo com alguma distância. Acho que o filme mostra o que pode levar o extremismo da direita.
Foram meses de preparação, segundo Poppe, para coreografar exatamente a movimentação dos personagens durante o atentado. E apenas um take foi feito por dia, porque a exaustão emocional era enorme depois, disse o diretor.
A julgar pela reação dos jornalistas na sessão de imprensa, que se remexiam desconfortáveis nas poltronas, o filme pode galgar altos voos na premiação de Berlim, tudo a depender da disposição do júri, capitaneado pelo cineasta Tom Tykwer, a se impressionar com um retrato tão brutal e direto da tragédia.
Utøya 22.Juli já tem distribuição garantida no Brasil, pela California Filmes, mas a data de estreia no país ainda não foi definida.
*O jornalista se hospeda a convite do festival