‘Aprendi também que a lei vale menos que o decreto, e este menos que a resolução; esta é suplantada pela portaria e pela ordem de serviço. A lei suprema não é a Constituição, mas a instrução ou parecer normativos. Em janeiro de 1989, criou-se outra figura nova e, de fato, inexplicável: a “nota técnica”, para regulamentar “medidas provisórias”. Mais recentemente, alguns ministérios – e/ou órgãos com imenso poder regulatório passaram a editar “instruções normativas” secretas, jamais publicadas no Diário Oficial. Aprendi também que ao lado da lei escrita – quando não acima dela – há “critérios” não escritos, condicionadores e limitadores da sua aplicação. Verdadeiras superleis’. (Trecho extraído do livro ‘Lobby – o que é e como se faz.’ de Said Farhat, p.33, Ed. Peirópolis). Esse comentário se mostra muito adequado ao que ocorre hoje no Sistema Nacional de Trânsito, especialmente no CONTRAN e DENATRAN. O Conselho Nacional de Trânsito é órgão normativo e coordenador do Sistema, também exercendo função julgadora para alguns casos, enquanto o Departamento Nacional de Trânsito tem função executiva. Quando da vigência do antigo Código Nacional de Trânsito, até janeiro de 1998, uma das críticas que havia era a concentração da Presidência do CONTRAN e da Diretoria do DENATRAN numa mesma pessoa. Então o legislador estabeleceu a composição do CONTRAN apenas com Ministros, sendo o da Justiça seu Presidente. Quando o atual governo federal assumiu na primeira gestão, a composição do CONTRAN (que é estabelecida pela Lei 9503/97) foi modificada por um Decreto 4711/2003, passando o Ministro das Cidades a ser o Presidente do CONTRAN. Ato contínuo o Diretor do Denatran passou a exercer a função de Presidente do CONTRAN, retornando à criticada estrutura de antes do Código atual. O tempo provou que antes era melhor ou involuiu? O fato é que, fazendo um trocadilho com o futebol, a mesma pessoa bate o pênalti, defende a bola, e apita o jogo… Bate a bola onde quer, até pra fora, defende se quiser, e anula ou valida o gol! O regimento interno do CONTRAN permite que seu Presidente promova regulamentações por atos individuais, as chamadas ‘Deliberações’ que têm força de ‘Resolução’ (que seriam de todo o conselho). A mesma figura dirige o órgão executivo, que estará diretamente sujeito a tais regulamentações, e de quebra é órgão julgador de infrações gravíssimas dos órgãos da União. Teoricamente a Deliberação deveria ser usada em casos urgentes para então ser referendada pelo Conselho, mas acontecem a qualquer momento para remendar, suturar e cauterizar…
São comuns os atos hierarquicamente inferiores que se sobrepõe, como é o caso da Resolução 160 (Sinalização Viária) que modificou o Anexo II do Código que é Lei, ou dos ofícios circulares como um que recomendou (???) que motos que tracionem carretinhas sejam autuadas, contrariando o parágrafo 3º do Art. 244 do Código de Trânsito, e muitas autoridades recebem tais ofícios, recomendações, notas técnicas como verdadeiras ‘superleis’, autuando os usuários, aplicando penalidades entre outras barbáries.

Marcelo José Araújo – Advogado e Consultor de Trânsito. Professor de Direito de Trânsito das Faculdades Integradas Curitiba – [email protected]