“Pane seca” e o código de trânsito
Uma cena que já não é tão comum nas ruas é aquela na qual uma pessoa vai até o posto de gasolina e enche um saquinho plástico com combustível para abastecer um veículo que tenha ficado imobilizado pela famosa “pane seca”, ou seja, tanque vazio. Recordo-me, ainda, que em certa ocasião a Revista Quatro Rodas promoveu um concurso no qual uma das etapas era identificar a falha existente num veículo que não funcionava, e aqueles que se deram ao trabalho de olhar no painel o marcador de combustível não enfrentaram dificuldades em identificá-lo.
Uma das inovações, dentre as várias já abordadas, do Código de Trânsito foi fazer constar no Art. 27 a obrigação do condutor “assegurar-se da existência de combustível suficiente para chegar ao local de destino”, antes de colocar o veículo em circulação. Para não deixar impune essa falta de cautela, o legislador estabeleceu também, no Art. 180 da mesma Lei, a infração de ter o veículo imobilizado na via por falta de combustível. Nas rodovias é comum a existência de placas de sinalização que alertam dessa obrigação e sua penalidade, que é de natureza média .
Mas aí surge um dilema: não é proibido colocar combustível no veículo quando ele estiver na via pública, senão, fosse nas vias centrais, fosse nas rodovias, o veículo teria que ser guinchado até um posto de combustíveis para ser abastecido, e não simplesmente abastecido onde estivesse. Dessa forma, também não há nenhum impedimento que uma pessoa cujo veículo esteja abastecido, esteja ele regularmente estacionado, coloque mais combustível do que já existe, apenas por excesso de zelo.
Vamos além: se a obrigação é a de assegurar-se da existência do combustível para chegar ao destino, é possível estar num primeiro destino, e antes de iniciar a movimentação para dirigir-se a outro destino, fazer um abastecimento na própria via pública. Não esquecemos da proibição de se fazer reparos na via pública, que consta no Art. 179 do CTB, mas logicamente que não se trata de um reparo, o qual ainda assim é autorizado no caso de impedimento de sua remoção e se estiver sinalizado.
Novamente somos forçados a concluir que o legislador teve a melhor das intenções ao estabelecer tal regra, pois concordamos que é inadmissível que um motorista razoável não olhe o painel do veículo para que seja informado de suas condições através dos mostradores e luzes-espia, mas convenhamos que a única forma de enquadramento dela seria que o veículo efetivamente parasse no meio da pista de rolamento, pois de outra forma, estando regularmente estacionado, tal enquadramento seria um pouco forçado.
Marcelo José Araújo – Advogado e Consultor de Trânsito – Professor de Direito de Trânsito da UNICURITIBA – [email protected]