O cidadão que queira obter o documento de habilitação para condução de veículos automotores deve preliminarmente submeter-se ao exame de aptidão física e mental, bem como avaliação psicológica. Quando esse candidato apresentar restrições motoras, o qual a Resolução 80/98 do CONTRAN qualifica de ‘deficiente físico’ (expressão politicamente duvidosa), o médico examinador poderá estabelecer adaptações que o veículo deva possuir para que esse candidato possa seguir as demais fases de avaliação teórica e prática. Ocorre que a legislação tributária reservou uma série de benefícios a esse candidato para a compra de seu veículo, ao ponto de reduzir o preço final em até 30%. Um carro de R$ 50.000,00 poderia ser comprado por R$ 35.000,00.
Com a possibilidade de gozar de tais benefícios, aquele resultado que poderia ser visto de forma preconceituosa e até constrangedora, passou a ser almejada por diversos candidatos. Ou seja, até determinado momento histórico ninguém queria ser considerado ‘deficiente’ sendo habilitado a conduzir apenas ‘veículos adaptados’, porém a partir da possibilidade de adquirir veículos novos com expressivo desconto, as pessoas passaram a reivindicar o direito de serem qualificadas como ‘deficientes’ para que fosse imposta uma adaptação ao veículo.
Quando se fala em ‘adaptações’, poder-se-ia imaginar uma série de modificações na originalidade do veículo, como embreagem, freio ou acelerador manuais e outras engenhocas que facilmente identificariam o condutor como ‘deficiente’, e que encontraria dificuldade de comércio no mercado, mas as ‘adaptações’ que nos referimos podem ser por exemplo ‘câmbio automático’ ou ‘direção hidráulica’, que são itens de série de boa parte dos veículos de padrão médio a luxuosos. Antigamente havia rejeição por parte do brasileiro ao câmbio automático justamente por sua vinculação a deficiência motora, e hoje seguindo a cultura norte-americana, passa a ser visto como um item de conforto e redução do estresse. Da mesma forma a direção hidráulica antes reservada a veículos de alto luxo, hoje está disponível inclusive em veículos considerados populares. A questão é que se o médico examinador colocar no resultado do exame que o candidato deve conduzir veículo com direção hidráulica ou câmbio automático, ele adquire o direito à compra com redução tributária. Há, portanto, a insurgência de candidatos que foram considerados aptos sem qualquer restrição, e que recorrem não só administrativamente mas também ao Poder Judiciário para serem considerados ‘deficientes’.
Marcelo José Araújo – Advogado e Consultor de Trânsito. Professor de Direito de Trânsito das Faculdades Integradas Curitiba – [email protected]