Os três principais países da América Latina (AL) – Brasil, Argentina, México – têm a triste fama de quase nunca se entenderem. Reconhecem que o clima de permanente disputa por vantagens e posições mina e neutraliza as chances de entendimento e cooperação econômica com os demais continentes ou grupos de países, mas não conseguem superar recém fabricadas desavenças nem antigos sentimentos nacionalistas que se afiguram cada vez mais arcaicos num mundo que rapidamente se torna múltiplo e global. As multinacionais se divertem ao tirar o máximo proveito possível desse quadro, colocando-se com facilidade como uma força acima do poder isolado de cada país. Numa das mais recentes disputas, o México sentiu como um grande golpe a derrota de seu ex-ministro de Comércio e Indústria Herminio Blanco (mesmo contando com o apoio da União Européia e dos Estados Unidos), para o brasileiro Roberto Azevedo que – com o voto dos países africanos e do antigo terceiro mundo – assim se tornou o primeiro latino-americano a dirigir a Organização Mundial do Comércio, sucedendo ao francês Pascal Lamy. As negociações para um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE) se arrastam penosamente, levando o chanceler brasileiro Antonio Patriota a acenar, em declaração ao Financial Times, com a possibilidade de que cada país possa negociar em velocidades distintas com a UE. Seria a pá de cal no Mercosul, um bloco que já não mais suporta a quantidade de minas explosivas colocadas em seus caminhos. Ademais do episódio de exclusão, por razões de puro parcialismo político, do Paraguai e da admissão, no mesmo diapasão, da Venezuela, aprofundaram-se os bloqueios comerciais mutuos na fronteira Brasil & Argentina. Poucos esqueceram o lamentável episódio de 30 mil carros brasileiros aguardando no porto de Zarate em Buenos Aires, a autorização que nunca chegava da Casa Rosada para desembarcar. Ao mesmo tempo, maçãs de Río Begro e Neuquén apodreciam nas caixas pois as portas do mercado brasileiro se fecharam a alimentos vindos da Argentina. Agora o problema é com os vinhos.

Cabe às organizações internacionais de cooperação solucionar problemas como esses, mas nesse terreno a confusão é ainda maior, reinando uma parafernália institucional assustadora. A Aliança Latino-Americana de Integração, ALADI, surgiu em 1960 para promover uma ampla liberalização comercial que inicialmente pareceu interessante mas com o tempo, no dizer do ex-presidente uruguaio Julio Maria Sanguinetti, a velocidade dos mais lentos impediu seu progresso. A Comunidade Andina de Nações é de 1969 (não inclui o Chile), a par de produzir uma impressionante quantidade de resoluções, decretos e projetos, pode orgulhar-se de ter gerado a Corporação Andina de Fomento que segue funcionando como um ativo banco de apoio ao desenvolvimento regional. O Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe, SELA, éxiste desde 1975 com o objetivo de promover sistemas de consulta e coordenação a fim de concertar posições e estratégias comuns entre os 28 países componentes. Tornou-se irrelevante, mas não fechou. Ao contrário, acaba de realizar seu 5º Encontro Regional sobre ventalillas (janelas) únicas de comércio exterior, sabendo-se lá o que isso significa. Já o Sistema de Integração Centro Americano, SICA, em 1991 reuniu oito países e dezenove outros como observadores (entre os quais Brasil e Santa Sé) com ratificação pela ONU visando a integração da América Central para constitui-la em uma região de paz, liberdade, democracia e desenvolvimento. O Mercosul, nascido também em 91, gozou de grande prestígio em seus primeiros oito anos de vida, começando a naufragar nas águas da desvalorização do real de 99.

No século 21 apareceram novidades como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, CELAC, surgida durante a Cúpula da Unidade da AL e do Caribe (estas reuniões são uma verdadeira epidemia regional), imasginada para de fato integrar a todos, incluindo Cuba, Barbados, Belize,a mas excluindo Honduras devido à queda de Manoel Zelaya e os Estados Unidos. Já a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, ALBA, limita-se aos apoiadores da Venezuela: Bolívia, Equador, Nicarágua, Cuba, San Vicente, Antigua e Barbuda. E a União das Nações Sul-Americanas, UNASUL, que supõe uma inexistente harmonia entre os doze países do extremo meridional, termina por reforçar o princípio da divisão continental ao deixar de fora as demais regiões.
Mais preocupante é a perspectiva colocada pelo Trans-Pacific Partnership, TPP ou Aliança do Pacífico, um projeto espetacular de convergência entre Ásia, América e Oceania que faz vislumbrar um afastamento econômico mais radical entre Atlântico e Pacífico nas Américas. O TPP, que se junta ao acordo EUA, Canadá e Japão, conta com algumas das economias mais prósperas do mundo moderno (Austrália, Brunei, Malásia, Cingapura, N. Zelândia) e também com Chile, Colômbia, Peru, México (logo com Costa Rica e Panamá). Dois outros fatores, de forte peso específico, merecem, ainda, ser considerados. Um é a crescente relevância da China que já é o 1º parceiro comercial da AL Outro é a preocupante criminalidade na América Central, a região mais violenta do mundo (taxa de homicídios é três vezes superior à média mundial) e hoje transformada num corredor por onde flui 90% das 700 toneladas de cocaína que, segundo a UNODC (Organização da ONU para drogas e crime), entram a cada ano nos Estados Unidos.

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional