O que parecia inviável aconteceu e um homem de pele negra, filho do casamento de um queniano com uma branca do Kansas, com apenas 47 anos, tornou-se o 44º presidente dos Estados Unidos da América, superando o centro conservador republicano que de Idaho até a Virginia Ocidental votou em McCain. Barack Obama terá a seu lado vinte e oito governadores de estado e pelo menos 59% dos senadores, além de reforçar o predomínio da Casa dos Representantes (Câmara) liderada por Nancy Pelosi. Cerca de 2/3 dos latinos votaram nele e agora querem leis de absorção dos imigrantes, o fim do muro que Bush está construindo na divisa com o México e mais respeito, pois são rejeitados mesmo pelos negros temerosos de que seus empregos sejam tomados. Fora da América, quase todos adoram Obama e as expectativas são tremendas. Os ministros europeus de relações exteriores, reunidos na última 2ª. feira em Marselha, redigiram uma carta de demandas com seis páginas para apresentar ao novo presidente dos EUA, pedindo uma parceria de iguais em temas básicos como o Oriente Médio, a crise financeira e relacionamento com os países emergentes. Ângela Merkel teme que Obama, recebido por 200 mil entusiastas em Berlim, use seu prestígio para fazer-lhe um pedido que não poderá negar com facilidade: mais tropas para um esforço anti-terrorismo no Afeganistão e Paquistão. Já o italiano Berlusconi, parceiro radical de Bush, desconfia de que seus inimigos internos serão apoiados.
A Ásia, cuja estabilidade política, militar e econômica depende dos EUA, vê com temor o crescimento da China, cujos gastos militares aumentaram 16% ao ano desde 2003, bem acima de seus vizinhos Índia, Japão e Coréia do Sul. Atitudes suaves e conciliadoras de Obama poderiam estimular a agressividade chinesa, inclusive para uma possível retomada pelas armas de Formosa. O Japão, onde estão noventa bases e 52 mil soldados norte-americanos, tem sido um aliado na luta contra o terror, mas se nega a abastecer a frota ianque de guerra estacionada em suas águas e junto com Seul se queixa da reaproximação promovida por Condoleezza Rice com a Coréia do Norte, detectando como preocupante o silêncio de Obama sobre o futuro nuclear da península coreana. Afora o problema da Cachemira (os dois lados querem autonomia), os maiores desafios estão no Paquistão onde o novo governo parece menos amistoso que o de Musharraf e no Afeganistão, para onde Obama prometeu remanejar tropas hoje no Iraque. Michael McKinley da Universidade australiana de Canberra diz que a proposta de Obama de atacar no Afeganistão é um grande erro, pois quem entrar lá será para perder
Líderes e diplomatas africanos reunidos no mês passado em Adis Abeba para examinar as implicações da eleição americana para o continente, concluíram que a vitória do “filho da África”, embora desejada por todos, não trará mudanças. Mesmo o queniano Michael Oyogi considera que “nada de novo deve-se esperar, as implicações serão iguais a zero”. Não obstante, há esperança de mais simpatia, de intervenção efetiva no genocídio de Darfur e mais pressão sobre o Zimbábue de Mugabe, além da certeza de que caso Obama não se interesse pela África a presença chinesa tornar-se-á avassaladora. Já no Iraque, seu 1º Ministro Hoshiyar Zebari tenta apenas adiar a saída das tropas americanas para 2011.
A América Latina nunca fez parte do discurso democrata e agora teme o vice Joe Biden, reconhecidamente um protecionista com fortes ligações com os sindicatos, que têm se oposto a tratados de livre comércio (numa exceção, Obama apoiou o TLC com o Peru) na região. Na Colômbia, até os recursos para combate à droga e às Farc poderão sofrer novas reduções. Chávez diz que quer conversar, arrependeu-se da ameaça de cortar o envio de petróleo, mas deve ser tratado como inimigo. A argentina Cristina Kirchner é vista com desconfiança, enquanto Lula, que se deu muito bem com Bush e com os republicanos, bem menos protecionistas, agora terá de negociar sobre bases mais instáveis para reduzir resistências ao nosso etanol.    


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional