Costuma-se dizer que a França tem dois grandes partidos: um de Bordeaux e outro da Borgonha, cujo predomínio depende da participação de bancadas menores, mas também altamente qualificadas, por exemplo dos vinhos do Reno, do Languedoc-Roussilon, do Vale do Loire, da Alsácia. Não há como compará-los. Para Howard Goldberg em sua coluna no The New York Times, Bordeaux é Beethoven e Borgonha, em geral mais leve e pronto para beber, é Levi-Strauss. Os 60 grandes de Bordeaux, no Médoc (mais um em Graves), nomeados em 1855, ainda hoje são venerados por todo o mundo como o suprassumo em termos de qualidade. Consumidores induzidos a pagar de 800 a 1000 dólares por uma garrafa de Margoux, Latour, Pétrus, Lafite, Mouton-Rotschild, ou mesmo por grandes borgonhas como um Romanée-Conti ou um Le Montrachet (o branco, segundo Alexandre Dumas, deveria ser bebido de joelhos com o chapéu na mão), não compreendem como um vinho mais simples vendido a 20 dólares pode ser pelo menos razoável. Na verdade, a maioria dos compradores desses vinhos de altíssimo preço ou são ricaços colecionadores que não pretendem bebê-los ou especuladores que desejam lucrar vendendo-os 5 ou 10 anos depois. Há boas ofertas a preços acessíveis e o bordão costumeiro de que “um Borgonha para ser bom não pode ser barato” deixou de ser uma verdade absoluta. No mundo, 16% do mercado é ocupado por vinhos de baixo preço; 83% pelos standard e apenas 1% pelos mais caros. Uma alternativa de momento para quem quiser experimentar um Pétrus ou um Latour é jantar no Goring Hotel em Londres que comemora cem anos de vida nas mãos da mesma família de proprietários e oferece menus com pratos de cada fase histórica – arenque dos anos Thatcher, rocambole da era Edwardiana, cauda de boi no vapor lembrando o racionamento das épocas de guerra – acompanhados por taças de vinho a 60 libras cada. A refeição para um casal moderado custará algo em torno de 180 libras ou R$ 500.
Apesar dos esforços dos produtores e do governo francês para recuperar o terreno perdido em especial para o novo mundo, o mercado internacional é cada vez mais restrito para os vinhos gauleses. A Just-Drinks, reconhecida consultora da área, acaba de divulgar suas estimativas para o mercado global até 2013 e as perspectivas não são das mais animadoras. O consumo de vinhos crescerá somente 0,6% chegando a 3,3 bilhões de litros. A Europa que detinha 64% do mercado em 2003 recuará para 58%, cedendo espaço para as regiões da Ásia/Pacífico (de 16% para 20%) e das Américas (de 18% para 19%). A participação da França continuará caindo (de 324 para 304 milhões de litros, e então se estabilizará), mas num ritmo menor graças a dois fatores: crise econômica mais leve que a de países europeus concorrentes e taxa de natalidade superior gerando novos consumidores em maior quantidade. O termômetro para o consumo mundial é a China – o mercado que, apesar do baixo consumo per capita, é o que mais se expande impulsionado pela crescente demanda das cidades do interior – que já é líder mundial com 390 milhões de litros (em 2º EUA e 3º Canadá) consumidos ao ano. O Brasil deverá passar dos atuais 35 milhões de litros (foram 37,4 em 2009) para 39,5 daqui a três anos, permanecendo com a modestíssima fatia de 1,2% do consumo global. Um agravante é que, sempre de acordo com a Just-Drinks, o Brasil, a exemplo da Rússia, teria uma grande produção ilegal de vinho que não aparece nas estatísticas.
Esta não é uma boa hora para o surgimento de escândalos como o da venda pela empresa francesa Sieur D’Arques para a grande rede norte-americana E&J.Gallo de 18 milhões de garrafas de vinho falsificado, da marca Red Bicyclette com uva pinot noir, num negócio de R$ 9,8 milhões a preço de atacado. O vinho é proveniente de uma região do Languedoc-Roussillon onde no ano produziram-se apenas o equivalente a 2 milhões de garrafas da pinot. O resto teria sido misturado com uvas merlot e shiraz ou outras também de menor valor. A justiça francesa está processando treze pessoas, incluindo o famoso negociante Ducasse e pede um ano de prisão além de vultosas indenizações, numa tentativa de trazer de volta a confiança dos consumidores do país que mais importa seus produtos. Outra briga de grande porte acontece em Nova York, onde o governador David Peterson pensando em reduzir o déficir orçamentário propôs a derrubada de uma velha lei que só autoriza a venda de vinhos em estabelecimentos especializados. Ele quer permitir a comercialização nos supermercados e similares que hoje vendem de tudo, menos vinhos. As casas do ramo temem perder o monopólio e criticam duramente o governo, argumentando que muitas das suas 2700 lojas vão fechar desempregando milhares de pessoas, pois não terão como enfrentar a concorrência de um número sete vezes maior de mercados e mercadinhos. Os consumidores torcem pelo governador, mas não será fácil modificar uma das mais curiosas e retrógradas regras de mercado da Big Apple.
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