Alvaro Uribe, menos de dois meses depois de iniciar seu segundo mandato, conquistado com 7,3 milhões de votos (63% do total), tenta livrar-se da pecha de ser apenas um governante militarista, amigo fiel de George Bush e dedicado a seus companheiros da direita radical colombiana, apresentando uma proposta concreta de intercâmbio humanitário com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, com o objetivo de trocar prisioneiros. Curtidos e desiludidos por diversas promessas de cunho puramente político e nunca concretizadas pelo presidente, os familiares dos 62 prisioneiros seqüestrados pela maior guerrilha do país desconfiam e mantém suas organizações, aumentando a pressão para que os entes queridos voltem para casa. A mais famosa prisioneira é Ingrid Betancourt, ex-senadora e candidata à presidência em 2002, mas o grupo inclui 3 norte-americanos, 5 congressistas, 12 deputados departamentais, 1 governador e um ministro de Estado. Alguns foram seqüestrados há mais de dez anos e o que tem menos tempo na selva ou na montanha lá está a quatro anos. As Farc pretendem libertar mais de 500 militantes que estão nos cárceres oficiais.
Concretamente, Uribe disse concordar com o pedido da organização de esquerda para instalar uma zona de encontro de 180 km2 situada numa área rural com base no povoado de El Retiro junto à Cordilheira Central entre os municípios de Pradera e Florida, no Departamento (estado) ocidental de Del Valle, “que prove ao país e à comunidade internacional que existe boa fé para a paz”. As condições práticas terão de ser pactuadas entre os dois lados, mas a zona de despeje (desmilitarizada) tem duração prevista para 45 dias, tempo considerado suficiente por Raul Reyes, o porta-voz das Farc que já disse “estar pronto” e que seus negociadores comparecerão escoltados por guerrilheiros armados, com o que o governo não concorda. A solução para o problema poderá estar numa força internacional formada por soldados da Suíça, Espanha e França, países que apóiam a negociação.
As chances de êxito de El Retiro parecem maiores que as de fracassadas experiências anteriores. As tentativas mais sérias foram: a anistia geral (1680 guerrilheiros perdoados) junto com um acordo de paz em 1982 no governo de Belisario Betancur ensejando a criação pelas Farc da União Patriótica, partido político que chegou a eleger congressistas até que as promessas do governo não foram cumpridas e a guerra voltou três anos mais tarde com o cerco ao Palácio da Justiça; e a zona de distensão de 42 mil km2 de San Vicente del Caguán fracassada ao final do governo de Andrés Pastrana em 2002. Agora, em relação a esta última, o sonho é menor, pois não se fala em paz e sim de uma troca de prisioneiros num processo com data marcada realizado numa área de mais intensa povoação e próxima a Palmira que, com 241 mil habitantes é a segunda maior cidade do estado cuja capital é Cali (o município de Pradera tem 43 mil e Florida 46 mil).
As Farc, com cerca de 18 mil combatentes e sob ataque intenso do exército de Uribe que teve seus quadros aumentados em quase 100 mil homens (expansão de 66%), tentarão aproveitar ao máximo o que consideram uma oportunidade para seu fortalecimento. A área por elas escolhida não é uma casualidade. Trata-se da Bota Caucana, um dos principais corredores internos usados pela guerrilha e que leva este nome por sua forma geográfica. Pelo porto de Boaventura, na parte mais superior do cano da bota, é movimentada mais da metade das importações e exportações colombianas pela estrada que o liga a Cali. As Farc concentram parte de suas forças nos Farellones (cadeia de altas rochas próximas ao oceano Pacífico onde há também presença importante dos paramilitares de direita), enquanto no calcanhar da bota estão Nariño e Putumayo com suas fartas plantações de coca.
Ao mesmo tempo realiza-se em Havana, Cuba, a quarta rodada de negociações entre o governo e o Exército de Liberação Nacional, o ELN, um processo lento e sem perspectivas concretas de sucesso. No front legal, saiu o decreto de regulamentação da famosa Lei de Justiça e Paz, base para a desmobilização de Paramilitares (eram cerca de 11 mil, mas o governo diz que já se entregaram cerca de 30 mil, o que deve incluir desempregados, sem-terra ou sem-teto, entre outros) os quais, segundo análises de instituições isentas como a Human Watch, apenas se converteram em grupos semilegais urbanos que continuam a trabalhar com drogas, escorados no argumento pragmático de que o interesse pelo consumo da cocaína continua, pelo menos, inalterável. Nos próximos quatro anos, a esquerda e a direita colombiana, ambas fortemente envolvidas com o narcotráfico, não têm alternativa senão a de seguir negociando com Uribe. Este, cada vez mais forte do ponto de vista militar, ainda não conseguiu libertar um só dos seqüestrados pelas guerrilhas que seguem atuando com desenvoltura em 80% do território nacional. A perspectiva é de que a guerra continue, temperada por iniciativas pontuais de paz.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional,
Autor do livro Guerra en los Andes