Embora já tenham ocorrido, e não há muito tempo, diversos enfrentamentos armados entre países andinos por questões fronteiriças, uma guerra no estilo tradicional envolvendo as forças armadas nacionais é uma clara impossibilidade e uma evidente inutilidade nos dias que correm. Sabedores disso, dirigentes populistas ou inconseqüentes sentem-se a vontade para esbravejar, chamar passageiros inimigos de cachorro – como o fez Hugo Chávez em relação a Uribe -, porque sabem que ao final nada acontecerá e seus gritos, impunes, serão esquecidos. Ainda assim, o ataque colombiano em pleno território equatoriano foi uma indiscutível violação do direito internacional, mesmo que tenha sido dirigido à Frente 48 das Farc e não a qualquer indivíduo ou instituição do país vizinho. O caldo quase entornou e, no momento, o saldo diplomático é o reatamento de relações com a Colômbia por parte do Equador e da Nicarágua, neste caso porque Daniel Ortega tentara aproveitar o desequilíbrio geral para retomar um velho litígio e apossar-se da ilha de San Andrés. Vamos aos fatos:
a) as Farc atacam sistematicamente alvos civis, militares e estruturas públicas na Colômbia há 42 anos (o oleoduto transandino acaba de ser explodido em retaliação à queda de Raúl Reyes); b) a Colômbia fortaleceu-se militarmente graças ao apoio dos EUA e hoje possui tecnologia de ponta no enfrentamento de guerrilhas, além de ter aumentado seus efetivos militares e policiais em quase 40% nos governos de Uribe, chegando a 380 mil homens apenas no Exército e na Polícia (a Venezuela teria 130 mil no Exército e na Guarda Nacional); c) as Farc, com 10 a 14 mil combatentes, possuem acampamentos na Venezuela e Equador, mas também alguns no Panamá e no Brasil. Os mais ativos e regulares são os venezuelanos, funcionando como campos de treinamento ou de recuperação de forças e bases de tráfico de drogas. Além disso, dominam ou têm forte influência em pelo menos 1/5 do território colombiano. Chávez e Correa chegaram a afirmar que seus países limitam não com a Colômbia e sim com as Farc; d) quando atacam no interior ou nas cidades da Colômbia as Farc são cuidadosas ao preparar rotas de fuga. Mas se descuidam quando agem próximo a países onde são aceitas, pois basta atravessar a fronteira para ficar a salvo do exército colombiano. Esta situação vem de muito tempo e se agravou com a posse dos governos bolivarianos na Venezuela e Equador; e) o primeiro erro de Raúl Reyes, o número 2 do comando guerrilheiro (era casado com a filha do chefe, Manuel Marulanda), foi confiar na porosa e desprotegida divisa equatoriana. O segundo foi usar um telefone que estava “grampeado” pela inteligência inimiga. Quando se deu conta de que um tremendo aparato militar se aproximava, agiu como de costume: correu e atravessou a fronteira indo descansar em um de seus acampamentos no Equador, 1.800 metros adiante; f) o comando militar colombiano mediu os riscos, sabendo que teria de atacar em terras estrangeiras. Mas, tinha a localização exata de onde estava Reyes e a oportunidade era única. Tratava-se de um peixe realmente grande e o que se seguiu foi um bombardeio de alta precisão e letal; g) para liquidar a fatura, era necessário trazer os corpos de Reyes e de Julián Delgado, ideólogo das Farc, pois, caso contrário, nunca poderiam comprovar que realmente os tinham liquidado. Num golpe de sorte, o computador de Reyes estava intacto e segue fornecendo informações copiosas sobre o comprometimento dos governos amigos, incluindo uma “doação” de 300 milhões de dólares (50 milhões já recebidos) ao que tudo indica como pagamento de Chávez pela recente liberação de seis seqüestrados.
O futuro dirá se a morte de Raúl Reyes fortalecerá ou debilitará decisivamente a guerrilha que resiste desde 1966. No momento seus grandes trunfos são cerca de 740 seqüestrados, entre os quais as jóias da coroa são Ingrid Betancourt e os três norte-americanos, e a retaguarda fornecida pelo governo de Hugo Chávez que idealiza derrubar Álvaro Uribe para reconstruir a efêmera Grande Colômbia de Simon Bolívar. A OEA e o Brasil torcem para que tanta loucura tenha logo um fim.