O dia 12 deste mês de fevereiro, um domingo, deverá testemunhar um acontecimento até aqui visto como altamente improvável: o nascimento de uma candidatura única de oposição que terá a missão de retirar Hugo Chávez Frías do trono venezuelano no qual está sentado há treze anos. A realização das primárias da Mesa de Unidade Democrática – MUD – que reúne dezessete pequenos Partidos e alguns políticos ou ativistas independentes é, por si só, uma surpreendente vitória contra o aparelho de controle e repressão governamental do Partido Socialista Único da Venezuela – PSUV. As eleições presidenciais acontecem em 7 de outubro e, no caso de um triunfo oposicionista, o novo presidente terá pela frente a hercúlea tarefa de desmontar as máquinas chavistas que dominam a Assembléia Nacional, o Judiciário, o Poder Eleitoral e o Poder Moral (Procuradoria, Defensoria, Fiscalização e Controladoria); voltar a descentralizar o país; superar a crise econômica; reverter o modelo de governo de um homem só e, ainda, reconstruir uma relação internacional igualitária. Nada, no entanto, será mais difícil do que manter em silêncio as Forças Armadas e desarmar os coletivos, que são grupos e organizações civis ligados aos conselhos comunais ou totalmente independentes formados por militantes radicais e que, por vezes, administram a justiça, controlam o tráfico de drogas e o crime nas periferias urbanas.
Cinco candidatos concorrem, mas só dois têm chances, ambos advogados e com discursos não radicais: Capriles Radonski, 36 anos e governador do estado de Miranda, e Pablo Pérez, 42 anos e governador de Zulia, o mais populoso e costumeiramente oposicionista estado do país. A plataforma do favorito Capriles, que se define como progressista de centro-esquerda com o slogan Sim, há um caminho, promete manter as misiones chavistas abolindo o pré-requisito de pertencer ao partido do governo para obter o benefício, recuperar a economia, respeitar a Constituição, os direitos humanos e as liberdades individuais, seguindo o modelo brasileiro e não o cubano. É do novo partido Primeiro Justiça, fundado pelo candidato opositor das últimas eleições, Manuel Rosales (hoje asilado no Peru, a exemplo de vários líderes antigoverno), seu padrinho político. O crescimento recente nas intenções de voto vem acontecendo entre os mais pobres e entre os ni-ni ou indefinidos, um grupo importante no cenário venezuelano que nem apóia Chávez nem a oposição.
As pesquisas de opinião apontam para um pleito presidencial renhido, com vantagens apertadas de 2% a 5% ora para Chávez ora para seu adversário. Em parte isso se deve ao afastamento de Chávez da mídia. Ele suspendeu até mesmo seus intermináveis discursos no programa semanal Alô Presidente e deixou de ir às inaugurações de obras públicas devido ao tratamento do câncer. Já retornou aos microfones anunciando duas novas misiones (as atuais são de saúde, educação e moradia) para os eleitores pobres: uma de pensões para idosos e outra de subsídios para mães com filhos pequenos. Contudo, a economia não vai bem e falta dinheiro para a construção de casas e por vezes até para alimentos básicos nos mercados públicos. O PIB, depois de cair por dois anos seguidos, recuperou-se um pouco em 2011, mas o desemprego aumentou e metade da população está na informalidade. Os níveis de insegurança nunca foram tão altos, com 60 homicídios por 100 mil habitantes no ano passado (a taxa é considerada epidêmica acima de 10).
Desafiar o presidente é uma atividade de alto risco na Venezuela. Para evitar ataques e depredações pelas milícias chavistas, as sedes dos partidos que compõem o MUD procuram não chamar a atenção, evitando faixas e alto-falantes, escondendo-se nos fundos das casas. As listas com os nomes dos eleitores que comparecerem às primárias serão de imediato apagadas para não repetir o ocorrido no último plebiscito quando sua divulgação serviu para justificar demissões em massa e impedir o acesso a empregos públicos. A sombra do golpe militar cobre todo o país. O novo ministro da Defesa, Henry Rangel declarou que uma vitória oposicionista é inadmissível. Ele é acusado desde 2005 pelos Estados Unidos de ser um ativo colaborador das Farc colombianas e seu nome apareceu nos computadores de Raul Reyes, o chefe guerrilheiro morto num acampamento em território equatoriano, como amigo de Timochenko que atualmente é o Número Um da guerrilha.
Por fim, há as persistentes dúvidas acerca da saúde de Hugo Chávez. Ele se diz curado do câncer de próstata, mas seu aspecto e análises a distância feitas por especialistas dão razão aos que afirmam ter havido uma metástase e uma nova lesão no cólom. Há dúvidas de que consiga resistir à doença e já se especula quanto ao possível substituto do candidato ou do presidente. No momento, o nome mais provável seria Diosdado Cabello, o mais fiel dos amigos (junto com o chanceler Nicolás Maduro) e recém nomeado presidente da Assembléia Nacional. Concretamente, não há espaço para uma terceira via e a luta eleitoral acontecerá entre Chávez e quem triunfar nas primárias da MUD. A hipótese de um golpe militar, assumindo abertamente a ditadura, não daria garantias de continuidade nem mesmo ao atual regime bolivariano-socialista e enfrentaria a rejeição de um povo que, apesar de tudo, continua desejando viver em liberdade plena.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.
Autor do livro Guerra en los Andes