No meio do caminho entre o Trópico de Câncer e a linha do Equador em plena África Ocidental, Guiné-Bissau afunda na sua sina de terra sem democracia e paraíso para o narcotráfico colombiano. Com um milhão e meio de habitantes, expectativa de vida ao nascer de apenas 49 anos e sempre entre as oito nações mais pobres do mundo, é dependente da ajuda internacional que vem do FMI, mas não da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP da qual faz parte junto com o Brasil e outros seis países. As esperanças concentram-se no turismo (as praias do arquipélago de Bijagós estão entre as mais belas de todo Atlântico africano) e nas jazidas de petróleo recém descobertas e cobiçadas pelos vizinhos Senegal e Guiné Conacri que sonham em anexá-las. No domingo à noite o Chefe das Forças Armadas, general Tagmé Na Walé, famoso pelo passado de lutas, a carranca e o inseparável cachimbo, foi morto quando subia as escadas rumo à própria sala de trabalho em um ataque à bomba a mando do presidente João Bernardo Nino Vieira, por sua vez assassinado – quando tentava fugir de casa quatro horas depois – a tiros de metralhadora disparados por soldados que vingavam o chefe da tropa. Perder de uma só vez os dois homens mais proeminentes é uma tragédia, mas não uma novidade para os guineenses que não conheceram a democracia nos 35 anos de independência conquistada após quase duas décadas de luta guerrilheira (comandada por Amílcar Cabral, herói nacional, à frente do Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde, o PAIGC) contra o domínio português. O país é um caldo de culturas com maior presença, pela ordem, das etnias Balanta (30%), Fula, Manjala, Mandinga e Papel (7%), cada qual com um idioma próprio.
Nino Vieira foi ditador ou presidente eleito durante 23 anos desde que derrubou o então chefe de estado Luis Cabral em 1980. Promoveu eleições que venceu em 94, foi derrubado em 1999 pelo General Ansumane Mané, mas retornou ao poder em 2005 uma vez mais eleito pelo povo. No período em que esteve fora do governo o caldeirão político e militar continuou a ferver. Primeiro, num incidente como de costume não esclarecido, alguém assassinou o general Mané que era o comandante das Forças Armadas. Logo, os militares derrubaram o presidente eleito Kumba Yalá  (do opositor Partido da Renovação Social) em 2003 e no ano seguinte um motim provocado por soldados que serviam como capacetes azuis da ONU em missão na Libéria e não recebiam pagamento, resultou em mais de cem mortos, entre os quais o Chefe do Estado Maior de plantão, o general Correia Seabra. Em novembro último, rebeliões militares opostas entre si já haviam tentado liquidar a Nino Vieira e Na Walé. Desde a guerra civil de 1998/99, a proteção do presidente cabe aos “Aguentas”, uma feroz milícia constituída por jovens recrutados entre os Papéis, etnia que é a mesma de Nino Vieira, e que expulsou do poder os Balantas de Na Walé, aprofundando o ódio que separava esses dois velhos revolucionários e suas tribos.
Suspeita-se que narcotraficantes estejam envolvidos nos crimes de agora. Situada em posição ideal entre os continentes americano e europeu, Guiné-Bissau transformou-se em um Narco-Estado por onde flui boa parte da cocaína trazida da Colômbia (Cabo Verde, em frente, também é afetado). Portugal realizou, dois anos atrás, uma inócua Conferência Internacional sobre Narcotráfico na Guiné-Bissau que se limitou a coletar recursos de ajuda externa e a algumas declarações retumbantes. O presidente Lula, que em outubro último realizou a oitava viagem ao continente africano completando 20 países visitados, esteve em Guiné-Bissau em abril de 2005 quando depositou flores no túmulo de Amílcar Cabral, sendo recebido pelo 1º Ministro Carlos Gomes Júnior, que está de volta ao posto e hoje apóia ao governo interino do presidente do Parlamento. Pouco depois, em Washington na companhia de George Bush, Lula articulou um plano conjunto, embora pouco ambicioso, de ajuda financeira ao país e, na conferência de Lisboa, contribuiu com recursos para o fundo de combate ao comércio ilegal de drogas. Angola tem presença maior em Bissau e em sua embaixada homiziou-se a viúva de Nino, Isabel (logo pedirá asilo a Portugal). Segundo o jornalista angolano O. Castro (https://altohama.blogspot.com), dirigentes de Luanda estiveram na casa de Nino Vieira pouco antes do ataque que o matou, propondo-lhe uma fuga em segurança que não deu certo por questão de minutos. O país é um símbolo do fracasso da ação coletiva da CPLP, reiterado na reunião de emergência que examinou a situação atual e se limitou a enviar uma missão a Bissau para checar as declarações das autoridades remanescentes de que desta feita não se trata de um golpe militar. Não obstante, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para justificar sua própria existência, tem a obrigação de salvar não o governo de Guiné-Bissau, mas sim o seu povo.