A vitória do “No” na Colômbia

Bem Paraná

O resultado do plebiscito de 2 de outubro na Colômbia – 50,21% dos que compareceram para votar disseram No – não deve ser interpretado como o esgotamento das propostas de paz para um país que vive em guerra há mais de cinquenta anos. Trata-se, na verdade, de uma derrota do presidente Juan Manuel Santos, de suas políticas e dos negociadores das Farc. Santos e Timochenko queriam o Nobel da Paz, pousando como os salvadores e heróis nacionais, mas se esqueceram de suas vítimas, os colombianos.

A rejeição foi maciça. De cada mil eleitores, 626 simplesmente preferiram ficar em casa, 184 votaram Não e apenas 183 votaram Sim (outros 7 anularam o voto ou o deixaram em branco). Há várias razões para tão monumental fracasso. A exemplo do britânico David Cameron que utilizou o Brexit para resolver problemas políticos pessoais ou de seu partido, Santos tentou recuperar-se dos fortes índices de rejeição perante a opinião popular imprimindo sua marca como o Pai da Paz com as Farc. O Acordo em si é um calhamaço de quase 300 páginas redigido por burocratas, com repetições de termos e conceitos pouco inteligíveis para quem se aventure a lê-lo. O local onde durante mais de quatro anos se reuniram as equipes de negociadores (Havana) não poderia ser mais infeliz, seja por ficar a mais de 2.200 quilômetros de Bogotá, seja pelo hermetismo em que tudo é tratado, com a população dependendo de obscuros e mutantes comunicados, sem presente nem futuro definidos. Não há surpresa, portanto, em que as pessoas comuns, quando têm uma chance de participar, queiram vingar-se de todos, negando-lhes sua concordância para acordos dos quais nunca participou.
A Colômbia tem, além da capital, 32 Estados (Departamentos) e um povo conservador. Em 13 o No venceu. A vantagem acumulada pelos defensores do acordo em Bogotá e em Cali viu-se amplamente anulada pela derrota estrondosa na Antioquia onde está Medellín. De nada adiantou a exigência das Farc nas regiões sob seu domínio como em Putumayo para que os residentes votassem pelo Sí, nem mesmo o apoio dos que sofreram onde a guerra mais vítimas fez, como em Cauca, Guaviare, Caquetá, Vaupés, Chocó. O presidente Santos está liquidado politicamente e o chefe dos seus negociadores, Humberto De la Calle, que ambicionava ser o próximo presidente, já pediu demissão de suas funções.
Não é que o Acordo de Paz seja, hoje, menos essencial do que ontem, nem que Álvaro Uribe que comandou a campanha do No tenha qualquer milímetro de razão em seu discurso reacionário ou que uma negociação seria possa ser entregue em suas mãos, ele que governou e nunca deixou de fazer a guerra. Não é isso. É, isto sim, uma profunda incapacidade de construir uma paz verdadeira com compromissos compreensíveis por todos, da parte tanto do atual (ou do futuro) Presidente da República quanto do comando das Farc. Agora se reabrem as conversas. Noruega e Cuba como países fiadores e a ONU que a tudo assistiu boquiaberta como de costume, continuarão esperando sentadas que algo de bom aconteça?

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional
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