A África do Sul comemorou, em 11 de fevereiro,  o vigésimo aniversário do dia em que Nelson Mandela, então aos 71 anos de idade, saiu caminhando da prisão de Victor Verster nos arredores de Paarl,  onde terminara seu calvário de dez mil dias nas mãos da ditadura branca. Dois anos depois Frederik De Clerk, o último líder do apartheid, precisou vencer um referendo no qual só os brancos votaram para ser autorizado a prosseguir nas negociações que culminaram na posse de Mandela em maio de 1994. Embora uma democracia, o país desde então é governado pelo Congresso Nacional Africano (CNA) que virtualmente se transformou num partido único e em 99 escolheu Thabo Mbeki para substituir Mandela, mas o derrubou no ano passado para colocar no poder, após uma prolongada guerra suja interna, a Jacob Zuma que venceu graças ao apoio dos comunistas e do sindicato dos trabalhadores.
Do ponto de vista macroeconômico, a África do Sul é um sucesso: ganhou status de país emergente e se tornou parte ativa dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e s de South Africa), mas não resolveu problemas essenciais para seu povo. È um dos dez países mais desiguais do mundo e nenhum outro o supera em número de portadores do vírus HIV – 5.700.000, com 350 mil mortes a cada ano para um total de 50 milhões de habitantes. A Aids é a razão pela qual 1.400.000 órfãos esgotam as vagas das instituições que lhes prestam cuidados ou perambulam pelas ruas sem eira nem beira. Zuma, cada vez mais, parece não ser o homem indicado para enfrentar e resolver essas situações. É a 20ª maior fortuna do país e um dos principais jornais de Joanesburgo, o Mail&Guardian, acaba de divulgar uma relação mostrando que dezenove membros da família Zuma, incluindo o próprio, têm participação ou dirigem 275 empresas, a maioria de grande porte e com negócios e contratos com o governo.  Só há duas maneiras de ficar rico na Á. do Sul, diz David Smith do The Guardian de Londres: uma é ser branco e a outra é pertencer à facção dominante do CNA.
Com o nível de insatisfação crescendo, ganhou força Julius Malema, 29 anos de idade, líder da Liga Jovem do CNA e porta-voz de milhões de negros que se sentem enganados pelas promessas não cumpridas de construir uma verdadeira democracia racial. Malema desafia a linha pacifista e de permanente negociação implantada por Mandela, aproximando-se do ditador do vizinho Zimbabwe, Robert Mugabe e de suas propostas mais radicais de transferência de riquezas dos brancos para os não-brancos. Malema transformou-se num pesadelo para a situação e para muitos sul-africanos, brancos ou negros. Procurando repetir o processo com o qual derrubou Mbeki, Jacob Zuma perdeu de vez a paciência e pediu ao CNA que aplique uma punição exemplar a Malema, mas à medida em  que a decisão da cúpula partidária demora, o poder político do presidente se esvai e já se considera que dificilmente conseguirá um segundo mandato nas eleições de 2012.
No dia mundial de combate à Aids, o discurso de Zuma foi saudado com imenso alívio pelos doentes, pelos sanitaristas e pela própria ONU, ao declarar que os tempos de negação haviam terminado, ou seja, seu governo reconhece o HIV como causa do mal. Contudo, a débil oposição e os ativistas anti-Aids contestam a autoridade de Zuma nesse terreno, acusando-o de promiscuidade. Ele tem 20 filhos de múltiplas mulheres, nunca usou e segue não usando camisinha ou qualquer método de prevenção. Das cinco esposas, uma se suicidou e outra se divorciou reclamando de maus tratos, embora seja hoje sua Ministra do Interior. Em janeiro deste ano casou-se com Thobeka Madiba, que se junta a Sikalele Khumalo, sua esposa desde 1973 e a Nompumelelo Ntuli (desde 2008). Foi uma festa de arromba, com comes, bebes e danças de acordo com o costume dos Zulus. Zuma pode casar com quantas mulheres quiser. É a nossa cultura, explicou uma convidada. Pela constituição nacional, as tradições tribais devem ser respeitadas e se houver a concordância de uma esposa, outra ou outras podem ser acrescentadas. No entanto, Thobeka Madiba, 38 anos, também não é santa e há poucos dias, mesmo permanecendo como a nova esposa de Zuma, casou-se de novo, desta feita com Joseph Ka’Prafule, um rico empresário de origem nigeriana. Não se sabe, ainda, como se dará a convivência entre Jacob e Joseph.
Mais do que uma questão folclórica, está em jogo o domínio da estrutura de poder, com a etnia Zulu – a mais numerosa com cerca de 25% da população – desafiando a etnia Xhosa (17%) à qual pertencem Mandela e Mbeki.  Com tanta confusão, Zuma aposta suas fichas no sucesso da Copa do Mundo de futebol que começa em 11 de junho. A Bafana Bafana de Carlos Alberto Parreira vai de mal a pior. Leslie Sediba, presidente da Safa – Associação de Futebol da Á. do Sul -, disse que a atuação da equipe no amistoso que terminou em 0x0 contra a Coréia do Norte, assistido por 630 pessoas na cidade alemã de Herzogenaurach, foi chocante e inaceitável. Terão de melhorar muito, jogar com orgulho e paixão, justificar o dinheiro que a nação e a Safa estão gastando com eles. Em seguida, os jogadores formaram uma comissão liderada pelo capitão do time, Aaron Makena, para discutir premiações., mostrando que dificilmente as ameaças e os desejos do cartola farão efeito.         

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.
Autor do livro ZIM, uma aventura no sul da África