África e seus desafios

Bem Paraná

Projeções atualizadas para a população mundial de 2050 indicam que um em cada quatro habitantes da Terra será africano (a proporção atual é de um para 6,5). Caso o ritmo de crescimento econômico dos últimos cinqüenta anos se confirme – média próxima a 5% ao ano – e os padrões gerais de governabilidade melhorem, a África que hoje é o destino de apenas 3% das exportações globais sem dúvida se tornará a grande estrela no universo do desenvolvimento. Segundo análises de organizações locais, do Banco Mundial, do The Economist e do Conselho Norueguês para a África, as principais razões para esse boom de expansão econômica têm sido o aumento da demanda interna movida pelo rápido crescimento da classe média, gastos significativos em infraestrutura, as remessas feitas pelos emigrantes para suas famílias e investimentos externos robustos principalmente da China (já é o maior sócio comercial) e das monarquias do Golfo. Dentre as boas notícias para uma região onde 300 milhões não têm acesso a água potável, a melhor foi dada pelo estudo da Universidade de Londres constatando que há cem vezes mais água subterrânea do que na superfície, com megadepósitos aquíferos inclusive nas áreas mais áridas da Líbia, Egito e Tunísia. Não obstante, um exame nas crises e confrontos contemporâneos dá bem a dimensão dos enormes desafios reservados pelo futuro. 

A Guiné-Bissau segue nas mãos dos traficantes de cocaína. Um ano atrás, às vésperas do 2º turno no pleito nacional, um Golpe de Estado instalou no governo uma junta militar comandada por Serifo Nhamadjo que, pressionado pela suspensão da ajuda externa, agora diz que fará novas eleições em novembro próximo. Enquanto na Somália o governo sobrevive em dependência quase total das tropas da União Africana, no norte da Nigéria o grupo islâmico Boko Haram solidamente instalado no delta do rio Níger ameaça derrubar o governo do presidente Goodluck Jonathan. Na República Centro Africana (4,5 milhões de habitantes) a coalisão Seleka que reúne cinco grupos separatistas já domina 2/3 do país e seus ataques provocaram a retirada do staff da ONU e o fechamento da embaixada norte-americana, mas 600 soldados franceses permanecem na capital Bangui e arredores embora o presidente François Bozizé tenha sido informado por Paris que não mais terá apoio militar.

A Guerra mundial da África recomeçou no leste da República Democrática do Congo – RDC (4º país mais populoso do continente com 80 milhões de habitantes). Ademais das Forças Armadas nacionais e da força de paz da ONU (Monusco), estão presentes pelo menos cinco grupos paramilitares com destaque para o Movimento M23 composto por guerreiros tutsis, as Forças Democráticas para Liberação da Ruanda com rebeldes hutus fugitivos do genocídio ruandês de 1994, a milícia Mai Mai (Água Água) que vende proteção a quem a contrata e o Exército Rebelde de Deus que pretende implantar uma teocracia cristã baseada nos dez mandamentos. O governo de Joseph Kabila é sustentado por Angola, Namíbia e Zimbabwe, ao passo que os rebeldes contam com apoio de Uganda e Ruanda. A RDC é tida como a mais rica província mineral do mundo, com extensas reservas de alta qualidade de cobre, cobalto, diamantes, ouro, ferro e urânio, mas não consegue se livrar de sua sina de morte desde que Patrice Lumumba em 1961 – um ano após a independência – foi sequestrado e assassinado por tropas leais a Joseph Mobutu ligadas à inteligência norte-americana, francesa e belga em tempos de guerra fria.

O Quênia acaba de realizar eleições, vencidas pelo milionário Uhuro Kenyatta com 50,07% dos votos. Ele é acusado pelo Tribunal Penal Internacional de crimes contra a humanidade cometidos no período de violência pós-eleições de 2007/2008 e se for condenado não se sabe o que acontecerá nessa instável democracia. Mais ao sul, dois países vivem situações distintas. No Zimbabwe da moeda mais desvalorizada do globo, o eterno presidente Robert Mugabe aos 88 anos imagina livrar-se de seu arquirrival Morgan Tsvangirai (atual 1º ministro no governo de coalisão imposto pela Comunidade de Desenvolvimento da África Ocidental), com quem sustenta uma luta de vida ou morte, nas eleições de 2014. Já a vizinha África do Sul atravessa, desde o fim do apartheid em 1994, sua mais aguda fase de declínio econômico nas mãos de Jacob Zuma que, num regime de partido único e desejando seguir os passos de Lula, tentará um 2º mandato apesar da intensa corrupção que caracteriza sua gestão.

Há, ainda, que enfrentar os problemas na área da saúde, com duas epidemias em curso: uma de HIV/Aids, principalmente na Suazilândia, Botswana, Lesotho e África do Sul onde em média 28% das mulheres entre 15 e 49 anos são afetadas; outra de medicamentos falsificados vindos da Índia e da China responsáveis, p.ex., pelo aumento da mortalidade em vítimas de malária e tuberculose em favelas de Yaoundê (Camarões), da Cidade do Cabo, de Ruanda ou de Gana e nos guetos da Cidade do Cairo.  A África avança e progride, exorcizando seus fantasmas.

Vitor Gomes Pinto
Escritor e Analista internacional