O Peru vive seu dia-a-dia tentando superar as marcas de um passado traumático  do qual Alan García Perez, o atual presidente, é peça fundamental. Foi na metade final do seu primeiro mandato, de 1985 a 1990, que tudo começou a dar errado, com uma inflação que chegou a justos 3.999% anuais. Tornou-se o grande culpado (junto com Mario Vargas Llosa que conseguiu perder uma das eleições mais ganhas da história peruana) pela meteórica ascensão de Alberto Fujimori que reinou como ditador por uma década, acompanhado por Vladimiro Montesinos e seu regime de terror. Revivendo das cinzas políticas, Alan García venceu as últimas eleições e agora completa o primeiro de seus cinco anos de novo mandato tendo de superar as desconfianças até mesmo dos que nele votaram, temerosos de que repita os erros antes cometidos.
Apesar dos pesares, no conjunto a avaliação desses doze meses é positiva, principalmente no terreno sempre instável da economia, cujo desempenho beneficiou-se do bom momento dos mercados internacionais e dos preços favoráveis alcançados pelos minérios peruanos. Alan García, considerado “um animal mediático”, usou e abusou do carisma pessoal, falando sem parar e dando opinião sobre todos os assuntos. É um populista e muito vaidoso, que não dá espaço a ninguém à sua volta e costuma (como o nosso Lula) fingir que nada sabe a respeito dos fracassos e é extremamente hábil em faturar o que vai dando certo. Até mesmo quando um jornalista descobriu a existência de um filho bastardo, Federico Danton, deu a volta por cima, ganhando a admiração geral ao reconhecê-lo de imediato. Mais tarde tratou de ganhar pontos ao esquivar-se do escândalo protagonizado pelo vice-presidente do Congresso, José Vega, e vários colegas, fotografados numa farra com mulheres na noite de São Paulo, onde participavam de reuniões do Parlamento Latino, que terminou publicada em reportagem de capa da revista Caretas (a Veja peruana). 
Manteve-se eqüidistante da esquerda e direita, na verdade assumindo uma postura de centro-direita com maioria no Congresso construída por alianças com os conservadores da Unidad Popular de Lourdes Flores Nano e até mesmo com a relativamente poderosa Alianza por el Futuro, fujimorista. Sem nunca afastar-se do povo, venceu uma queda-de-braço com a Telefônica e baixou em 14% as tarifas básicas, implantou apesar das resistências um sistema.de avaliação dos professores que demonstrou o nível precário de capacitação dos mestres, lançou uma campanha pela pontualidade no trabalho (“Peru, a hora sem demora”). Mesmo sabendo que não havia como implantá-la, sugeriu a instituição da pena de morte para violadores de menores e terroristas, uma medida que tem significativo apoio popular no país. Num exemplo de austeridade, diminuiu o próprio salário e o teto dos parlamentares para 5 mil dólares mensais, além de reduzir o orçamento do Palácio de Governo e os gastos em publicidade oficial. No terreno internacional, conseguiu a ratificação pelo parlamento nacional do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, reforçado pela recomendação de George Bush pela sua aprovação. E criticou sempre que pode ao venezuelano Hugo Chávez.
Aos poucos, porém, reveses começaram a acumular-se. A renúncia de dois ministros, Pilar Mazzetti do Interior e Juan Salazar da Agricultura, e um caso mal explicado com o ministro da Habitação, todos acusados de corrupção, somaram-se a promessas de campanha não cumpridas como o aumento dos salários dos policiais e a melhora dos serviços de saúde. O salário-mínimo permaneceu muito baixo – 500 soles equivalentes a 155 dólares -, inferior até mesmo ao que é pago no Brasil (190 dólares) e no Chile que é o melhor da região com 255 dólares, e as fortes desigualdades acabaram por gerar crescentes movimentos de protestos sociais no interior, onde vivem as populações mais excluídas. Com isso, a popularidade presidencial foi diminuindo com rapidez e seu nível de apoio no começo do mandato que era de 64% passou a ser o de desaprovação um ano depois (32% o aprovam e 4% não opinam). Homem de porte avantajado, Alan García, à medida que as pesquisas de opinião o desfavoreciam, parece ter se descontrolado à mesa e passou a engordar mais e mais, tornando-se com sua voz tonitruante uma presença imensa na mídia peruana.
Um problema não resolvido e que segue incomodando é a presença do ex-presidente Alberto Fujimori em prisão domiciliar desde novembro de 2005 na vizinha Santiago do Chile. Ele tentou imunidade parlamentar concorrendo ao senado no Japão (tem dupla nacionalidade, peruana e japonesa), mas só obteve 52 mil votos, 0,27% do total de 19,5 milhões. Para compensar a derrota, recebeu a notícia de que a justiça chilena negou sua extradição para o Peru. A estratégia da família é de preparar a candidatura de Keiko Sofía Fujimori, hoje com 32 anos (filha de Alberto e a deputada mais votada do país no pleito de 2006), à Presidência da República em 2011.
Alan García discursou energicamente, como de costume, no 1º aniversário de seu governo, propondo um grande Pacto Social no qual um numeroso comitê composto por representantes de empresas grandes, médias e pequenas, trabalhadores dos setores formal e informal, governos estaduais e federal, tratarão de construir um acordo sobre três temas: produtividade, emprego e salários. A inspiração, segundo o 1º Ministro Jorge del Castillo, vem do Pacto de Moncloa firmado pelos espanhóis após a morte de Franco, do Programa de Recuperação Nacional que permitiu a recuperação econômica da Irlanda e das estratégias que conduziram ao sucesso a Finlândia. A maré de protestos sociais está temporariamente contida, mas poderá voltar com força arrasadora a ameaçar García se ele não conseguir repartir melhor a riqueza nacional. Lá, como aqui, só os ricos se beneficiam.     


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Autor do livro Guerra en los Andes (Editora Abya-Yala, Quito)