Mais de seis meses já se passaram desde que Barack Obama tomou posse e a América Latina continua sem saber se terá novidades em relação ao costumeiro esquecimento a que tem sido relegada pelas administrações norte-americanas, sejam elas republicanas ou democratas. O principal executivo para a região, no posto do Secretário Assistente de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental, o professor de Cambridge Arturo Valenzuela, respeitado pelos profundos conhecimentos sobre a América Latina, tem perfil idêntico ao do seu sucessor Thomas Cannon e é visto como alguém sem pique para enfrentar as lutas políticas que tem pela frente. Suas prioridades são abrir mercados e liberalizar o comércio, ou seja, estimular os negócios. Na cúpula de Trinidad Tobago, em abril último, Obama saiu-se muito bem. Foi uma simpatia, mesmo quando Hugo Chávez o presenteou com “As veias abertas da A.Latina”, um livro escrito em 1971 pelo uruguaio Eduardo Galeano e chegou a tomar notas no longo discurso de Daniel Ortega. Com Lula parece entender-se às mil maravilhas, tendo-se acostumado a apresentá-lo como uma curiosidade aos demais Chefes de Estado dos países desenvolvidos.
Na verdade, nenhuma outra região no mundo oferece a Obama oportunidades tão razoáveis quanto a A. Latina para exercer a diplomacia cooperativa que estabeleceu como objetivo de sua administração. À exceção da guerra das drogas no México, da guerrilha na Colômbia e das violências internas promovidas por Chávez contra seus opositores na Venezuela e das escaramuças em Honduras, a paz reina quase sem perturbações no continente. A economia, segundo a Cepal, está saindo de uma contração de 1,9% este ano para um crescimento previsto de 3,1% em 2010, embora para o próximo ano os investimentos externos devam cair em 40%, prejudicando mais os países mais fracos, pois de cada dez dólares investidos na região, oito vão para Brasil, Chile e Colômbia. Obama poderia, por exemplo, reapresentar o Jubilee Act que perdoa integralmente as dívidas de 67 dos mais pobres países, entre os quais se encontram Bolívia, Honduras, Nicarágua e Haiti (a proposta, aprovada na Câmara, caiu no Senado, no ano passado), estendendo-o pelo menos em parte a outros países das Américas. Contudo, na prática, as mudanças no modo de agir norte-americano não têm impacto ou reforçam os compromissos do passado. Em Honduras, a Secretária de Estado Hillary Clinton não se saiu bem ao apoiar apressadamente a um presidente que foi removido pelo Legislativo e pelo Judiciário do próprio país. Ao mesmo tempo nenhuma atitude até aqui foi tomada em relação a um fato similar, a inviabilização da gestão do prefeito de Caracas Antonio Ledezma que fez greve de fome para pedir apoio da OEA. O presidente venezuelano como vingança por ter perdido as eleições na capital retirou 93% do orçamento do município, impediu-o de arrecadar impostos e criou um cargo federal de Chefe do Governo em Caracas que passou a exercer as funções de Ledezma, expulso do próprio gabinete por ativistas ligados a Chávez. Outra frente de dificuldades é a rejeição de Cuba em retornar à OEA, cujo estatuto teria de ser contornado em seu artigo 3º que exige do país-membro um sistema pluralista partidário e a realização de eleições periódicas, livres, justas e secretas.
O problema maior hoje é a disposição dos Estados Unidos de instalar bases militares na Colômbia, aumentando sua área de manobra na área em relação a Manta no Equador que deixou de funcionar em julho último porque o governo de Rafael Correa não renovou a concessão que vigia desde 1999. O Comandante das Forças Militares colombianas, general Freddy Padilha, anunciou que os norte-americanos poderão fazer uso do Centro de Treinamento de Tolemaida e da base do Exército de Larandia, mais as bases aéreas de Malambo, Atlântico, Palanquero, Apiay e as bases navais de Pacífico e Cartagena. O presidente Álvaro Uribe está visitando sete países (Peru, Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai e Paraguai) para explicar a posição defendida por Padilla: “Estamos convencidos de que se tivermos êxito na luta contra o flagelo universal do terrorismo (das Farc) e do narcotráfico, contribuiremos positivamente para a tranqüilidade regional”. A movimentação dos EUA ao lançar uma larga sombra sobre a América do Sul reflete, também, a preocupação com o crescente comércio entre China e Brasil. O sul do continente, com exceção do Peru, não parece de acordo com tal argumento e condena uma presença militar tão explícita dos Estados Unidos junto a suas fronteiras, mesmo que patrocinadas pelo afável Barack Obama. Todo esse quadro ganha em complexidade nos próximos dois anos, quando dezoito países terão eleições, redesenhando quase que por inteiro o mapa político das Américas e do Caribe.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional
Autor do livro Guerra en los Andes
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