A América Latina segue imersa num ciclo de eleições que – iniciado em Honduras em outubro de 2005 e a encerrar-se na Venezuela em dezembro próximo – em nada parece ter ajudado na superação de suas desvantagens econômicas e sociais em relação ao resto do mundo. Observando as realidades mais próximas, a Bolívia de Evo Morales parece tão perdida quanto antes e não só na confusa política do gás. Metido numa desnecessária mega mudança constitucional, o Executivo se desespera e diante das primeiras dificuldades já apela para a mudança nas regras do jogo, forçando a aprovação de novas regras que permitem ao MAS (o partido de Evo) aprovar o que quiser por maioria simples e não por 2/3 como reza a Lei. A Colômbia mudou a Constituição para poder reeleger Álvaro Uribe e assim assegurar a continuidade da guerra sem tréguas que há sessenta anos sacode o país. No Peru, os dois candidatos com os maiores níveis de rejeição inicial passaram para o segundo turno e, diante da impossibilidade de eleger Ollanta Humala, um típico candidato-cacareco, os eleitores tiveram de optar de novo por Alan García que há uma década e meia atrás os conduziu à bancarrota. A Argentina tem no comando cada vez mais um Imperador ao invés de um presidente, mas ao seu lado os uruguaios – com as dificuldades de sempre – parecem tranqüilos com Tabaré Vasquez e o Chile prossegue sendo a exceção positiva do continente, agora renovado e mais sorridente com Michelle Bachelet. Mais distante, a crise mexicana volta a agudizar-se diante da recusa do candidato derrotado, López Obrador, em aceitar o resultado das eleições mesmo depois de reiterado pelo órgão máximo da justiça eleitoral que confirmou o triunfo de Felipe Calderón.
Resta ver o que acontecerá nas três eleições que se aproximam. O Equador, ainda dolarizado, parece não mais apostar em aventureiros e desta vez o socialista moderado León Roldós ressurge e é o provável vencedor. No Brasil, a espessa lama da corrupção ainda não contaminou a Lula, favorito por três razões principais: a habilidade em esconder o PT, sobre o qual jogou todas as culpas; o Bolsa-Família, lição aprendida de Hugo Chávez, que transformou o assistencialismo nas regiões mais pobres em eficiente arma eleitoral; e o erro indesculpável da trinca no comando da oposição (FHC, Jereissati e Aecinho) que não pediu o impeachment quando podia, escolheu o candidato mais fraco imaginando num erro grosseiro de avaliação que a eleição a ganhar é a próxima e não esta e a seguir, aprofundando seus pecados, resolveu cristianizá-lo. Por último virá a Venezuela onde Chávez não só está certo da vitória como se sente à vontade para dizer que quer ser o ditador até a morte, aprovando no próximo plebiscito seu projeto de reeleição permanente.
Responsável por ínfimos 7,6 do PIB e por 4% do comércio mundial, a América Latina com 8% da população da Terra abriga 75% dos seqüestros, fazendo com que os empresários e as classes média e rica, na tentativa de proteger-se, já tenham contratado cerca de 2,5 milhões de guardas privados (em São Paulo são quase 500 mil). É a única região na qual os índices de pobreza não caem, justificando o que o PNUD denominou de “a maldição das matérias primas” principalmente quando comparada à expansão acelerada da influência de chineses e indianos sobre a economia global com base na oferta de produtos industrializados. De acordo com Andrés Oppenheimer em seu livro “Cuentos chinos” (algo como Negócios da China), a América Latina vive o circulo vicioso da desigualdade, frustração, desigualdade, populismo, fuga de capitais e aumento da pobreza. À medida que crescem as economias asiáticas, decresce a relevância latino-americana, onde um ambiente de insegurança institucional, especialmente nos casos da Venezuela, da Bolívia e do Brasil, este no caso de que a onda de corrupção se agrave num segundo mandato de Lula ou de que se mantenha o atual crescimento extremamente modesto do PIB (neste terreno, apenas inferior, nas Américas, ao do Haiti), pode afastar de vez os investidores.
A desilusão com os políticos está se transformando, para eles, numa verdadeira epidemia de rejeição no continente. Na eleição brasileira de 1º de outubro, a população ainda mantém uma atitude passiva quando se trata da escolha do presidente ou do governador, pois ai é mais fácil votar a favor de alguém ou contra alguém. Contudo, um número cada vez maior de eleitores deverá votar nulo no caso de deputados e senadores. Para anular seu voto, basta digitar um número que não corresponda a qualquer candidato. Digite 00 ou 99 e, assim, não será responsável pela escolha de alguém que pode parecer honesto, mas que, em lá chegando, muito provavelmente se transformará em um corrupto a mais, a enriquecer o plantel de acusados e acusadores que teimam em ocupar a telinha de sua televisão nas inacabáveis CPIs de todo dia ou nos programas do insistente horário eleitoral pago ou gratuito.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional, autor de “Guerra en los Andes” e “ZIM, uma aventura no sul da África”