Sustentada pelo boom econômico mundial e, em parte, pelos altos preços alcançados pelos barris de petróleo e pela droga que produz em alguns países, a América Latina parece estar, no terreno político, mais perdida do que nunca, como o demonstram as mais recentes movimentações em três áreas de inegável relevância: a produção e o tráfico da coca, o confronto com as guerrilhas e a relação entre governos e imprensa.
A “novidade” no pantanoso terreno do narcotráfico foi dada pelo principal jornal de La Paz, o La Razón do último domingo, cujos repórteres foram a campo para constatar que 80% da droga elaborada na Bolívia tem como destino o Brasil. O principal comprador seria o Primeiro Comando Capital, o PCC, que tem uma base sólida funcionando em Santa Cruz de la Sierra. Os “narcos brasileños” importariam cerca de 200 milhões de dólares por ano de cocaína e da pasta-base necessária para produzi-la, reexportando a maior parte para a Europa com ganhos de 1 bilhão de dólares. Citando a um informante brasileiro não identificado, o jornal indica que atualmente aos Estados Unidos chega a droga (cocaína e heroína) colombiana, enquanto Chile, Argentina, Brasil e Paraguai recebem a que é produzida no Peru e na Bolívia. Por mais difícil que seja o tema em se tratando de relações internacionais, é cada vez mais urgente uma tomada de posição política por parte dos países receptores da droga, que assistem a uma escalada da criminalidade alimentada pelo tráfico em seus territórios.
Estima-se que existam cerca de 200 milhões de consumidores das chamadas drogas ilícitas em todo o mundo, representando 3,1% da população total e 4,8% do grupo entre 15 e 64 anos de idade. A cocaína que se produz nos três países sul-americanos é responsável pela existência de 13 milhões de cocainômanos, um pouco menos que os 16 milhões de consumidores de derivados do ópio (a maioria, 162 milhões, ingere maconha, havendo ainda 35 milhões de viciados em anfetaminas. Vários consomem mais de uma droga).
Enquanto isso, terminou num grande fiasco a espalhafatosa iniciativa dos governos do colombiano Álvaro Uribe e do francês Nicolas Sarkozy de tirar da cadeia a Rodrigo Granda, o chanceler das Farc, e quase duzentos guerrilheiros, pois nada foi recebido em troca. A guerrilha informou que não libertará nenhum dos 56 seqüestrados há tempos incluídos numa possível lista de intercâmbio (entre os quais Ingrid Betancourt, Clara Rojas e seu filho Emanuel nascido em cativeiro, três consultores norte-americanos, três ex-governadores); Granda reiterou que só deve obediência ao Secretariado das Farc e considerou como renegados os que aceitaram as condições do governo para ganharem a liberdade; o outro grupo combatente, o ELN, denunciou a iniciativa como manobra de Uribe para salvar a pele de amigos delatados como “membros vinculados” aos Paramilitares, apoiando a posição de continuar na luta das Farc. Tudo isso para que Sarkozy conseguisse incluir duas frases inócuas na declaração final da reunião do G-8 em Heilingendamm, dizendo, em resumo, que “saudamos a valente decisão do presidente Uribe de libertar um número significativo de prisioneiros, inclusive o senhor Rodrigo Granda, e fazemos um chamado às Farc para que aceitem um acordo humanitário”.
Por fim, a ofensiva contra a liberdade de imprensa ganha a cada momento novos capítulos. No último round dessa luta ainda longe de terminar, o equatoriano Rafael Correa que quase diariamente critica a imprensa nacional, mandou processar ao jornal La Hora ameaçando fechá-lo pela publicação de um editorial que o desagradou. Evo Morales está em guerra aberta contra o La Razón e os dois presidentes querem copiar o exemplo de Hugo Chávez editando leis restritivas ao exercício da livre imprensa, ao mesmo tempo que buscam recursos para fortalecer a mídia oficial. O coronel venezuelano, irritado com a continuidade dos protestos estudantis nas ruas de Caracas contra o fechamento da RCTV, chamou-os de marionetes da oposição que assim estariam tramando um golpe para depô-lo, o que no seu linguajar significa a maior ofensa possível a um adversário da revolução bolivariana que lidera.
O governo brasileiro assiste a tudo mantendo considerável distanciamento diplomático, sentindo-se incomodado quando algo ameaça tirá-lo de sua cômoda contemplação. É o caso da reação da oposição que bloqueia a aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul depois das ofensas ao nosso Parlamento no episódio RCTV. Na verdade, quando Chávez deixou de lado a Comunidade Andina das Nações e optou pelo Mercosul, o fez por oportunismo ou por conveniência pessoal e não por desejo de apoiar ou incrementar as posições econômicas do bloco constituído por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, para o qual a eventual aceitação da Venezuela significa assumir um risco de acentuar seus desequilíbrios internos e inviabilizar de vez o acesso conjunto aos mercados dos países mais desenvolvidos, sem qualquer ganho relevante à vista.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional