As Farc e seus reféns

Bem Paraná

Em toda a região andina multiplicam-se as especulações a respeito do futuro das Farc – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – e da possível libertação de quarenta seqüestrados políticos que vegetam na selva à espera de uma sempre adiada troca por quinhentos guerrilheiros trancafiados nas prisões de Bogotá e arredores. Não há dúvida de que a principal e mais antiga guerrilha do continente está combalida, mas será isso suficiente para que negociem a paz ou para que sejam derrotadas?
Pouco mais de sessenta idealistas ligados ao Partido Comunista Colombiano criaram o movimento em 1964, quando a luta armada lhes parecia ser a única alternativa para chegar à democracia. Multiplicaram-se chegando em seu auge a mais de vinte mil em 2002. Estima-se hoje uma força de onze mil combatentes, apoiados por um número não conhecido de militantes urbanos. Quando, ao final do seu governo, Andrés Pastana implodiu a fracassada experiência de San Vicente del Caguán, o território cedido às Farc para viabilizar um acordo de paz, o financiamento da guerrilha já tinha como principal base o narcotráfico, fator que com o tempo contribuiu para o afrouxamento dos compromissos revolucionários e da união interna.
Contando com forte apoio financeiro e de inteligência militar da administração de George Bush, o presidente Álvaro Uribe desatou uma violenta ofensiva buscando empurrar as Farc para o fundo da selva e para as fronteiras, criando-lhe crescentes dificuldades. Conseguiram respirar graças à ajuda do venezuelano Hugo Chávez e à tolerância do equatoriano Rafael Correa, mas logo que essas ligações ficaram claras foram aos poucos inviabilizadas. A libertação de seis seqüestrados deu-se em meio a uma parafernália propagandística de Chávez e da senadora Piedad Córdoba, contribuindo para interromper as conversações para soltar os demais. Agora há um novo impasse. O exército proclama que sabe a região onde estão os reféns e até quem os vigia, mas não pode atacar porque não há como impedir que sejam mortos pelos carcereiros numa região selvática na qual é extremamente difícil a penetração por terra ou água. Estabeleceu um bloqueio, esperando asfixiar o inimigo dificultando-lhe a obtenção de víveres e armas. Não se pode esquecer que ultimamente as Farc perderam diversos líderes, incluindo Manuel Marulanda, o número um, e Raúl Reyes, o número dois. O novo chefe, Guillermo Sáenz, um antropólogo conhecido como Alfonso Cano, precisará firmar-se internamente em meio à luta.
Num exercício de futurologia, a revista Semana traça três cenários possíveis: a) as Farc se desmoronam cedendo à pressão do governo; b) negociam a paz com garantias para transformarem-se em um partido político; c) o conflito se aprofunda e se prolonga indefinidamente. Nenhuma dessas hipóteses está descartada e cada uma tem suas chances de acontecer, mesmo porque a Colômbia é um país com severas dificuldades econômicas, agudas desigualdades, problemas de posse da terra não resolvidos e instabilidades políticas à vista, conquiste ou não Uribe um terceiro mandato.
Na última semana três personagens reacenderam as esperanças de Ingrid Betancourt, dos norte-americanos e dos cerca de oitocentos civis e militares que continuam na mata como prisioneiros. Hugo Chávez declarou que “chegou a hora de que as Farc liberem a todos os que têm lá na  montanha. Já está bom. A guerra de guerrilhas passou à história”. Confessou suas razões, ao dizer que o grupo revolucionário colombiano transformou-se na justificativa para a presença militar dos EUA na América Latina. Em seguida foi secundado por Rafael Correa, enquanto Luis Eladio Pérez, o ex-senador recém solto pelas Farc, assegurava estar próxima a liberação de mais quatro reféns. Um irmão de Alfonso Cano, o assessor da prefeitura de Bogotá Roberto Sáenz, revelou sua opinião: a guerra é um holocausto inútil e a luta armada não tem sentido na Colômbia atual. Enfim, os otimistas continuam torcendo para que a Colômbia e nós todos, latino-americanos, possamos afinal esquecer a guerra.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional, Autor do livro Guerra en los Andes