Para esta segunda semana de fevereiro está, ao que tudo indica, acertada a liberação de mais cinco seqüestrados em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, com uma ativa participação da Cruz Vermelha e do Brasil que cederá dois helicópteros e pessoal de bordo. Com a intermediação de última hora da ex-senadora colombiana Piedad Córdoba (recentemente perdeu o mandato e teve seus direitos políticos cassados pelos próximos 18 anos), a guerrilha, sem nada pedir em troca, entregará seus reféns em quatro pontos distintos: o vereador Marcos Vaquero no aeroporto de Villavicencio; o vereador Garzón Acuña e o oficial naval Henry López em Florencia; o major da Polícia Guillermo Solórzano e o cabo do Exército, Salín Sanmiguel, em Ibagué. O comunicado confirmatório das Farc foi divulgado por meio da Rede venezuelana Telesur. Restariam, ainda, em posse da guerrilha 8 policiais e 14 militares. Depois de ter tido uma força combatente de até 30 mil efetivos antes do início, há oito anos, da Política de Segurança do governo  Álvaro Uribe, atualmente estima-se que as Farc contem com 8 mil homens em armas, mais outro tanto como simpatizantes ou apoio logístico e financeiro principalmente nas cidades.
Criadas em 1966, nos primeiros vinte anos as Farc tiveram reduzido crescimento e pouca relevância, mas isso mudou nos anos 1980 quando o boom do negócio do narcotráfico deu-lhes uma inesgotável fonte de financiamento que se somou às tradicionais rendas por seqüestros e taxas de proteção em lugares sob seu domínio ou simples presença. Alfonso Cano é o líder desde março de 2008 quando o grupo sofreu dois grandes golpes com a morte por causas naturais de Manuel Marulanda, o Tirofijo e de seu segundo, Raul Reyes, este num ataque fulminante das Forças Armadas colombianas ao acampamento no Equador onde vivia. De lá para cá, entre vários dirigentes de primeiro escalão, caíram Jorge Briceño (Mono Jojoy), Iván Ríos, Didier que era o cérebro da extorsão no sul do país e o comandante Fabián Ramírez, este num ataque radical ao seu acampamento no último 31 de dezembro. Em 2010 um total de 2831 guerrilheiros (71% das Farc) optaram por entregar-se ao governo recebendo suporte educativo e financeiro num programa de reintegração à sociedade.
Estes fatos significam que a maior guerrilha colombiana está condenada à morte? A resposta, por ora, é não. Juan Manuel Santos, ex-Ministro da Defesa e atual presidente (sua família é dona do maior complexo de comunicação nacional, incluindo o jornal El Tiempo e a revista La Semana) diplomaticamente promoveu uma reaproximação com seu colega venezuelano Hugo Chávez e fala, pró-forma, em estender a mão da negociação e da paz, enquanto ordena ao Exército que aperte o cerco tentando sufocar o inimigo. Nos meses que se seguiram à posse de Santos, as Farc deram uma demonstração de força assassinando 30 policiais e militares. Agora, Alfonso Cano em sua mais recente declaração disse que em 2011 redobraremos as ações em todo sentido. Um exemplo de que não está mentindo está na ofensiva da última semana na área rural de Antióquia para bloquear as fumigações de cultivos ilícitos de coca, que forçaram a fuga de 5000 camponeses para a cidade de Anorí. A rádio das Farc, La Voz de La Resistencia, segue na fronteira convocando jovens equatorianos e criticando o sistema em programas diários das 9 ao meio-dia e das 3 às 5 da tarde que são ouvidos por todos mas nunca interrompidos pois a fonte de emissão muda de local constantemente.
A entrega espontânea de prisioneiros, desistindo de usá-los como moeda de troca e ao mesmo tempo livrando-se do tremendo peso de ter de mantê-los com vida e alimentá-los, parece significar uma mudança de estratégia do movimento, que ao invés de quantidade de combatentes volta a atuar com pequenas brigadas de alta movimentação que utilizam táticas guerrilheiras, atacando e se escondendo em regiões onde têm maior presença e esconderijos seguros. A principal concentração das Farc é no norte de Cauca onde têm presença histórica relevante e conhecem com a palma da mão suas escarpadas montanhas, tirando vantagem das duras condições climáticas locais. Outros departamentos (estados) que dominam ou têm peso significativo, sobretudo no sul e no oriente do país, são Putumayo, Tolima, Nariño e Valle Del Cauca. No entanto, de alguma maneira  estão em 24 dos 32 departamentos colombianos. O financiamento, agora mais do que nunca, passa a depender do tráfico de coca, pois o dinheiro obtido com extorsões, cobrança de proteção e seqüestros necessariamente se reduzirá.
Esta é uma situação nova que terá de ser enfrentada de maneira distinta (em relação ao que fez Uribe) pelo governo Santos e por seus apoiadores norte-americanos. A questão do narcotráfico não se resolverá com um eventual fim das Farc, uma vez que a produção de coca e sua transformação em cocaína exigem soluções estruturais bem mais difíceis de concretizar em países como Colômbia, Bolívia e Peru. Um acordo de paz segue, por ora, sendo uma possibilidade longínqua como atesta a revista Foreign Police que incluiu a Colômbia como um dos focos de guerra no mundo para este ano, ao lado de Costa do Marfim, Iraque, Zimbábue, Iran, Sudão, Haiti e Somália.  Não obstante, Juan Manuel Santos e Alfonso Cano podem surpreender, livrando os colombianos e a América Latina de novas tragédias políticas cada vez mais sem sentido.         

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional