Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Autor do livro Guerra en los Andes



Candidatos com posições esquerdistas venceram na Bolívia em dezembro de 2005 e, depois de serem derrotados seis vezes, recuperaram terreno impondo-se sucessivamente nos pleitos nacionais da Guiana, Brasil, Equador, Nicarágua e Venezuela, fechando o movimentado período eleitoral latino-americano com uma virtual igualdade, em número de países, com as forças tradicionais ou conservadoras. O placar final foi de 6×6, como se viu no texto da semana passada (sobre as vitórias das alas de centro e direita), restando o caso de Michelle Bachelet no Chile, que é do Partido Socialista, mas pratica uma política essencialmente liberal. Em termos populacionais, excetuando o Brasil e o Chile, no continente a esquerda governará cerca de 60 milhões contra 204 milhões do liberalismo, neo-liberalismo ou como quer que se queira denominar as forças que não apóiam o venezuelano Hugo Chávez, o líder regional inconteste do seu grupo.
Não se pode dizer que houve surpresa na eleição do aimará Evo Morales na Bolívia, impondo-se com relativa facilidade sobre o engenheiro Jorge Tuto Quiroga da coalisão Podemos e que antes governara o país substituindo o general Hugo Bánzer. A população cedeu à intensa pressão do MAS, o Movimento ao Socialismo, que ameaçou retomar os bloqueios que paralisavam o país caso o vencedor não fosse Evo. É verdade que os confrontos das ruas e das estradas não se repetiram, mas a idéia de fazer rapidamente uma nova Constituição, seguindo o exemplo de Chávez, fracassou e     desde então Collas (os indígenas do Altiplano) e Cambas (os brancos das terras baixas do sul) cada vez mais se desentendem numa luta política em boa parte causada pela inexperiência e pelo autoritarismo dos novos governantes. Tentativas de desapropriação de terras pertencentes a brasileiros plantadores de soja em áreas próximas à fronteira e de tomada de ativos da Petrobrás tornaram tensas as relações com a administração do PT que, por sua vez, optou por não brigar e esperar.
Na Guiana, o socialista Bharrat Jagdeo conseguiu renovar por mais cinco anos, com 55% dos votos, o mandato que exerce desde 1999, quando substituiu a Janet Jagan que renunciara por razões de doença. Quem garantiu a permanência de Jagdeo foi a maioria de origem indiana que não deu ouvidos às pesadas acusações da minoria afro-guianense, relacionadas a casos de nepotismo, corrupção e incompetência do presidente, um economista formado em Moscou de apenas 42 anos. Denúncias da mesma ordem também não foram suficientes para impedir a reeleição de Luis Inácio Lula da Silva no Brasil, bombardeado por denúncias de corrupção, mas com apoio da população de menor renda favorecida por subsídios concedidos por meio de abrangentes programas assistenciais. Em ambos os casos, há prenúncios de muitas dificuldades para governar com suporte do Congresso, onde a maioria obtida é escassa ou instável.
O caso do Equador é exemplar das instabilidades políticas em que costuma viver o continente. Depois de uma sucessão de mandatos presidenciais interrompidos e, por último, da derrubada de Gutiérrez, os eleitores que foram às urnas resolveram radicalizar, impedindo que moderados tivessem chances e impondo um segundo turno entre dois extremos: de um lado o jovem economista Rafael Correa de um partido recém criado (Movimento Aliança País) que pouco antes não elegera um só congressista porque – para variar – pretende fazer outra Constituição e, portanto, não respeita a Carta Magna vigente, de outro lado o conservador católico e arquimilionário do setor bananeiro Álvaro Noboa. À última hora as tendências de voto mudaram para eleger Correa, com o inevitável apoio do vizinho venezuelano. Suas três promessas de campanha, de caráter fortemente populista, dificilmente serão cumpridas: Dale Desenvolvimento para reduzir a pobreza com bônus de 30 dólares mensais para os mais pobres; Dale Trabalho baseado em créditos de 5 mil dólares a serem pagos em cinco anos para pequenos empreendedores; Dale Moradia onde oferece casas para todos.
A Frente Sandinista de Libertação Nacional, que derrubou Anastácio Somoza em 1979 e governou a Nicarágua até 1990 quando Violeta Chamorro retomou o poder para os conservadores, está de volta e novamente com seu líder Daniel Ortega. Em duas tentativas anteriores Ortega viu-se derrotado devido às divisões internas do sandinismo e acusações de imoralidade (abusou sexualmente da enteada Zoilamérica Narváez), recuperando-se agora ao bater no 1º turno ao banqueiro Eduardo Montealegre, para quem o apoio de Bush não foi suficiente. Ortega fez de tudo para livrar-se da imagem de revolucionário, chegando a trocar a velha bandeira rubro-negra por uma de tonalidade rosa e o hino combativo da Frente pela canção “Dê uma chance à paz” de John Lennon. Com um PIB per capita de 821 dólares, superior apenas ao do Haiti e 23% abaixo de Honduras que é o terceiro pior da América Latina, a Nicarágua dependerá do apoio venezuelano e do mercado norte-americano para suas “maquilas” (fábricas de têxteis e calçados tocadas por trabalhadores de baixos salários) para avançar economicamente.
A última eleição, neste dezembro, foi na Venezuela, onde a oposição decidiu concorrer mesmo sabendo ser impossível suplantar a máquina montada por Hugo Chávez, hoje com domínio completo sobre a estrutura administrativa, sobre judiciário (inclui a justiça eleitoral), legislativo e executivo e sobre a PDVSA que o alimenta com o dinheiro do farto petróleo extraído dos poços até aqui inesgotáveis de Maracaibo e arredores. Seu projeto pessoal é de permanecer no comando do país pelo tempo que desejar, até morrer de velhice ou “enquanto Deus e vocês quiserem” conforme costuma dizer quando se dirige ao povo venezuelano nos dilatados discursos (duram de 5 a 6 horas) que semanalmente faz no programa oficial “Alô Presidente”.