O ciclo eleitoral latino-americano, iniciado em 27 de novembro de 2005 em Honduras, completou-se com outra reeleição de Hugo Chávez dia 3 deste dezembro. Foram treze pleitos nos quais, por mais superados que esses termos estejam, pode-se dizer que tivemos seis triunfos das forças de centro&direita e seis da esquerda, restando a definição de Bachelet no Chile para o desempate. Repetiu-se a velha maldição de que, no continente, o povo vota, vota e vota, para ficar sempre na mesma. Hoje, vamos analisar as primeiras, deixando as vitórias esquerdistas para a próxima semana.
Manuel Zelaya do PLH, Partido Liberal de Honduras, derrotou pela estreita diferença de 2,7% dos votos, ao situacionista Porfirio Lobo e, conforme o esperado, um ano após o país permanece na mais intensa pobreza, com um PIB per capita de 1069 dólares que supera apenas o da Nicarágua e do Haiti. Não obstante, o presidente já realizou 27 viagens ao exterior e a última foi sensacional. À frente de uma comitiva de doze pessoas (a imprensa hondurenha não sabe a que foram) visitou Madri onde, depois de ser recebido pelo rei Juan Carlos em almoço no palácio La Zarzuela, pelo 1º ministro José Zapatero e receber as chaves da cidade das mãos do prefeito, foi assistir ao jogo Real Madrid 2×1 Atlético de Bilbao em pleno estádio Santiago Bernabeu. A Espanha, como se vê, não descuida seus domínios.
Em 15 de janeiro último Michelle Bachelet do Partido Socialista Chileno confirmou seu favoritismo sendo eleita com 3,7 milhões de votos contra 3,2 do rico empresário Sebastián Piñera. Apesar do partido ao qual pertence e da perseguição sofrida nos tempos da ditadura de Augusto Pinochet – falecido no último sábado aos 91 anos sem ter ido a julgamento por seus crimes –, não há como classificar o governo francamente liberal do Chile como de esquerda. A trajetória de Bachelet tem sido de manutenção dos acordos de comércio com os EUA e de apoio ao modelo econômico que tanto sucesso tem proporcionado ao país, o mais equilibrado da América Latina.
  No mês seguinte as atenções concentraram-se na pequena Costa Rica e no conturbado Haiti. Quatorze candidatos disputaram o pleito costa-riquense, mas só dois com chances: o ex-prêmio Nobel da Paz, Oscar Arias, do Partido de Liberação Nacional e Otton Solís da Ação Cidadã, ambos conservadores. Venceu Arias com o apoio de 26% da população adulta contra 25% do seu adversário, mas 36% do total de 2,5 milhões de eleitores não compareceu às urnas e outros 2,4% votaram nulo ou em branco. O fenômeno, de abstenção majoritária, repetiu-se nas eleições municipais deste mês e uma pesquisa de opinião concluiu que os motivos são dois: o povo está aborrecido com a política e não dá qualquer importância aos prefeitos e vereadores (estes não têm salário, mas recebem um jeton por sessão). Pouca coisa acontece na pacata C. Rica, que acaba de comemorar o 58 º aniversário da abolição das Forças Armadas, decretado em 1º de dezembro de 1948. Desde então, nunca mais houve guerra ou revolução. 
O caos haitiano é persistente e intenso, apesar da ampla vitória de René Préval do Lespwa (esperança), quase 40 pontos à frente do segundo colocado num pleito que teve nada menos que 35 concorrentes. Casos de rapto, seqüestro e alta criminalidade são comuns e o bairro de Cité Soleil continua sendo um dos mais perigosos lugares de Porto Príncipe e do mundo, imune às patrulhas das forças da ONU comandadas pelo Brasil, que teve um de seus soldados acusado pelo estupro de uma menina haitiana de 14 anos. O caso foi agora publicado pela rede BBC, em texto do repórter Mike Williams (https://news.bbc.co.uk/1/hi/world/americas/6159923.stm), mas a ONU não acatou a denúncia, informando que evidências insuficientes contra o militar justificaram seu envio de volta ao Brasil, não havendo informação nem sobre seu nome nem sobre o que aconteceu após o repatriamento. A menina, hoje com 16 anos, mantém a acusação.
A reeleição de Álvaro Uribe do Movimento Primeiro Colômbia, por larga margem (62% dos votos) em relação a Carlos Gaviria (22%) e Horacio Serpa (12%), liberais como ele, manteve a tensão, a guerrilha e a decisiva influência do narcotráfico apesar do cada vez mais forte apoio norte-americano. A criminalidade e os ataques nas grandes cidades diminuíram, mas a área plantada com coca expandiu-se garantindo a oferta de cocaína. As negociações de paz com as Farc visando o intercâmbio humanitário de presos, que haviam sido retomadas para gáudio das famílias dos seqüestrados, caíram por terra após o atentado à Universidade Militar em Bogotá cujos autores ainda são desconhecidos (as Farc como afirma o governo ou elementos da ultradireita contrários ao processo de paz).
Os peruanos pregaram um susto nas Américas quando ameaçaram eleger ao folclórico e golpista confesso Ollanta Humala (União pelo Peru) para a presidência, dando-lhe a melhor votação do 1º turno e relegando ao ostracismo figuras aparentemente relevantes como Lourdes Flores e o ex-presidente Valentin Paniagua. Sem opção, os eleitores acabaram entregando o comando do país novamente ao Partido Aprista com Alan García, que promete não fazer tantas besteiras como no seu desastroso mandato do final dos anos oitenta, quando levou o país à hiperinflação e, pior ainda, à eleição de Fujimori. No Peru não existe esquerda e García desde logo se colocou em posição contrária a Chávez, tentando um acordo de livre comércio com os EUA para salvar a combalida economia nacional. 
Por fim tivemos no México a controversa eleição de Felipe Calderón sucedendo a Vicente Fox, seu colega do PAN – Partido Ação Nacional, por míseros 233,8 mil votos, ou 0,56% de vantagem sobre López Obrador do PRD – Partido da Revolução Democrática, que até hoje não aceitou a derrota e mobiliza seus correligionários que tentaram bloquear a posse em 1º de dezembro último ocupando a tribuna central da sede do Congresso, o Palácio San Lazaro. Os três principais desafios para Calderón são: a pobreza que a cada ano leva meio milhão de mexicanos a atravessar ilegalmente a fronteira com os Estados Unidos em busca dos empregos inexistentes em sua terra natal; a resistência política de Obrador que, inconformado com o que chama de fraude eleitoral (não comprovada pela Justiça), promete fazer um governo paralelo; a aprovação de projetos no Congresso, dividido de maneira praticamente igual entre PAN, PRD e o velho PRI, o Partido Revolucionário Institucional que desde Pancho Villa e ao longo do século passado mandou na política mexicana.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional.
Autor do livro Guerra en los Andes