Um redemoinho suga aparentemente de maneira inexorável a política boliviana, impedindo que partidários da não-violência e do entendimento reaproximem os indígenas do altiplano, os Collas, liderados pelo MAS – Movimiento Al Socialismo – e os “brancos” ou Cambas da planície. A incapacidade de Evo Morales e de seu vice Álvaro Garcia Linera para governar e promover o entendimento nacional faz da secessão de cinco dos oito Departamentos que compõem o país uma possibilidade cada vez mais concreta. A situação torna-se gradativamente insustentável, agravando-se a cada nova crise que sucede à anterior já de maneira contínua.
  No momento, onze pontos de bloqueio de estradas na zona petrolífera do Chaco impedem o acesso de pessoas e de caminhões com combustíveis nas fronteiras com Paraguai e Argentina, originando conflitos e filas quilométricas. Governantes de Santa Cruz, Tarifa, Beni e Pando – a Media Luna – e de Chuquisaca querem a devolução dos 30% do Imposto Direto sobre os Hidrocarbonetos transformados pelo governo federal em renda para maiores de 60 anos (sugerem outras fontes de recursos) e impedir a realização do mais novo Referendo convocado por Evo para 7 de dezembro a fim de aprovar a nova Constituição, eleger novos prefeitos para La Paz e Cochabamba e conselheiros departamentais em todo o país. Não há acordo possível e os pedidos da oposição para mediação da Igreja Católica e da OEA não têm sido levados em consideração. García Linera, ao invés de propor a concórdia, acusa os adversários do MAS de serem da direita conservadora e de lutarem apenas para manter privilégios. Enquanto o país ferve, Evo Morales imita seu padrinho Hugo Chávez e viaja para visitar a Muammar Kadafi na Líbia e Mahmud Almadinejad no Irã.
O exército não tem controle sobre os movimentos populares e sobre as gangues situacionistas e oposicionistas que se enfrentam com crescente ódio racial. Carlos Quispe, locutor da Rádio Municipal FM 90.7 de Pucarani, um município da Grande La Paz, foi espancado até a morte por camponeses quando transmitia um programa de música. Seu crime: estar ao microfone quando o prédio da Prefeitura, onde também funcionava a rádio, foi invadido por adversários do prefeito. Em Santa Cruz, militantes da Juventud Unión Cruceñista atacaram partidários do MAS aos gritos de “Collas de m…! Índios, voltem a suas terras. Não queremos esta raça maldita aquí”. A violência explodiu logo após a aprovação do Decreto 29.691 que convocou o próximo Referendo. De imediato, a oposição denunciou que existe o risco de guerra civil, responsabilizando o Presidente Evo Morales pelo que vier a acontecer.
Dois pontos da nova Constituição, aprovada em um quartel apenas com a presença de adeptos do MAS, constituem os focos maiores de discórdia. O primeiro é o artigo 169, pelo qual “o mandato do Presidente é de 5 anos e pode ser reeleito de maneira contínua por uma vez”. Ocorre que a nova regra valerá a partir de 2011, zerando a situação passada. Assim o atual período administrativo de Evo (tomou posse em janeiro de 2006) não seria considerado, dando-lhe o direito a concorrer e logo a ser reeleito, podendo governar até 2021. O outro tema é relativo às autonomias, já aprovadas em plebiscitos nos quatro Departamentos da meia-lua em agosto do ano passado. A nova constituição, se referendada nas urnas, estabelece não uma e sim quatro autonomias: departamental, regional, municipal e indígena, todas de mesmo nível hierárquico: um emaranhado de atribuições e de poderes que não forma um país federativo nem prevê a eleição de câmaras legislativas estaduais, na prática mantendo intacto o poder absoluto central. Evo foi há pouco reconfirmado no poder com 67% dos votos, mas perdeu em Tarija, Santa Cruz e Beni que, em conseqüência, ameaçam não mais aceitá-lo como Presidente. No Chapare, plantadores de coca atacam a polícia encarregada da erradicação de cultivos ilegais. Até quando a unidade territorial boliviana resistirá?          


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.
Autor do livro “Guerra en los Andes”