Qual é o Brasil verdadeiro ou, caso prefira, o seu Brasil? O que tem reservas de 200 bilhões de dólares ou o que mantém uma dívida externa de 200 bilhões de dólares? O que se orgulha por ter o 8º maior consumo total de derivados de petróleo ou o que, na mesma categoria, é o 106º no consumo per capita? No governo, seus economistas declaram-se cada vez mais contentes com o desempenho do país, dizendo que está superando como nenhum outro a crise econômica global e lembrando que já faz um ano e meio que o “grau de investimento” foi atribuído pela agência de avaliação de risco Standard Poors, enquanto a nossa Bolsa, a Bovespa, após as perdas de 2008 acumula neste ano uma valorização de 70%. Estamos em 10º em consumo de energia e só quatro países (China, Índia, EUA e Rússia) têm mais celulares que nós. Somos a 10ª economia do mundo com um PIB de US$ 1,6 trilhão. Quem reclama o faz de barriga cheia, inclusive os mais de 40 milhões de brasileiros que pertencem aos 12 milhões de lares que faça sol ou caia chuva recebem a Bolsa Família. Temos 43 milhões de usuários de Internet (6º lugar na Terra) e, com a média de 2,6 garrafas por habitante a cada semana, mantemos um honroso 33º lugar entre os bebedores de cerveja (os checos bebem 8,5 e os alemães 6,3), símbolo maior da felicidade nacional segundo Zeca Pagodinho. Afinal, porque os pessimistas insistem em chamar a atenção para a outra face da medalha?
Acaba de sair o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que mede alfabetização, expectativa de vida e níveis de renda e educação. O Brasil recuou para o 75º lugar, porque ainda 10% da população de 5 anos e mais é analfabeta (neste quesito somos o 95º país) e embora cada brasileiro já possa viver 72 anos em média, em nada menos que 120 outras nações a existência é mais longa. Em relação ao PIB per capita, apesar de ter avançado para US$ 8.295, amargamos um pouco honroso 63º lugar.
Um problema do qual teimamos em não ficar livres é o da desigualdade entre as pessoas, entre as regiões, entre os sexos, entre as cores da pele. Sua principal medida é o Coeficiente de Gini, que varia de zero, a pior situação, a um. No início do século lamentávamos uma colocação entre os três últimos, mas agora – com um Gini de 0,567 – melhoramos um pouco e somos o 10º pior entre 160, tendo em vista que vivem em estado de pobreza 37 milhões de pessoas, ou 18,6% da população (com menos de dois dólares por dia) e que a riqueza nacional está concentrada nas mãos de poucos. Na América Latina, só três países apresentam índices de desigualdade mais agudos: Haiti, Bolívia e Paraguai. Mesmo nos aspectos puramente econômicos enfrentamos avaliações nem sempre benévolas. O World Economic Forum, uma organização suíça independente, publicou na última semana seu Índice Global de Competitividade para o período 2009-2010, classificando o Brasil no 56º posto, atrás de Azerbaijão, Jordânia, Malta e Costa Rica entre outros e, de quebra, colocou-nos em 45º no ranking mundial de turismo. As razões para que o Brasil se limite a receber 5 milhões de turistas estrangeiros ao ano e para que os gastos de brasileiros no exterior superem em mais de 60% as divisas que nossos visitantes proporcionam, podem ser encontradas na insegurança e na violência que constituem verdadeiras epidemias nacionais. Em termos de “governabilidade”, Numa escala de zero a cem o Brasil obteve uma nota média (52) em termos de “governabilidade”, medida que envolve seis indicadores de qualidade, nos quais o Brasil ao longo dos últimos cinco anos só melhorou no referente à “aplicação da lei”. A avaliação do país permaneceu ruim no campo dedicado ao “controle da corrupção”, mas o conceito mais baixa nos coube no item que reúne “estabilidade política, violência e terror”, o que não surpreende considerando que as chamadas “causas externas” (crimes, violências, acidentes) só perdem para as cardiopatias e para os cânceres na estrutura de mortalidade do país.
Dividir com Tonga a 84ª posição no Índice de Liberdade de Imprensa por certo não é motivo de orgulho. Reiterando que não é a prosperidade econômica e sim a paz que garante a liberdade de imprensa, a organização Repórteres Sem Fronteiras afirma que “jornalistas brasileiros estão expostos a sérios riscos em algumas regiões quando informam sobre temas sensíveis como tráfico, corrupção e questões ambientais”. Enfim, os que preferem avaliações intermediárias, tipo mais ou menos, talvez se satisfaçam com as análises do Banco Mundial que considera o Brasil como uma Economia Média-Alta junto a outros 45 países, acima dos quais figuram 93 na categoria de alta renda e abaixo os 98 mais pobres.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional