Vamos e venhamos. As desculpas de que o Brasil abriga um povo pacato, de conformados que não gostam de meter-se em encrencas grandes e que no final das contas aceitam tudo o que é, em seu nome, decidido pelos outros, pelas autoridades, não colam mais. Pelo menos no que se refere aos impostos, parece tratar-se mais de um caso de vocação nacional para Amélia. A turma, de tanto apanhar, acabou tomando gosto pela surra. Não há outra explicação para o fato de que hoje cada um de nós trabalhe cinco meses do ano para encher de dinheiro as burras do governo, recebendo em troca serviços em geral sofríveis, sem reclamar e, pior, concordando com os novos impostos ou com o aumento dos que já existem. Há os que dizem que as pesquisas de opinião são tendenciosas, que “eles” só entrevistam quem querem ou simplesmente fabricam os resultados. Sinceramente não acredito nesta teoria, embora dê uma certa dose de razão ao inesquecível Leonel Brizola que certa vez, diante da desvantagem que lhe era dada pelos Institutos, foi à TV e perguntou: “A senhora, o senhor, já foi entrevistado ou conhece alguém que alguma vez na vida tenha sido entrevistado pelo Ibope?”.
Apesar de tudo, não cesso de surpreender-me com a quase total ausência de reação do povo a cada vez que o assaltam, tirando-lhe mais algum dos minguados caraminguás que consegue ganhar. O exemplo mais recente é o da Lei Seca. A mídia repete as estatísticas oficiais de redução em mortes, brigas de trânsito, etc., omitindo uma informação crucial: o aumento da arrecadação com as multas de trânsito. Um deputado do DF ao justificar seu projeto de destinar 50% do lucro das multas à infra-estrutura de transportes, revelou que “em algumas cidades a receita das multas de trânsito chegou a crescer 500%”. Tanto assim?
O chefe de comunicação da Polícia Rodoviária Federal gaúcha em entrevista a um jornal de Porto Alegre confessou que o dinheiro das multas vai (em grande parte) para o caixa único do governo e nem ele nem ninguém sabe onde é aplicado. Um solitário deputado do PV de São Paulo propôs limitar a arrecadação de multas de trânsito a 1% do orçamento anual e, em outra iniciativa isolada, a Câmara Municipal de Goiânia aprovou projeto obrigando o executivo a divulgar semestralmente a receita e a detalhar a aplicação das multas. Essas iniciativas no âmbito dos legislativos não conseguem frear a desmedida ambição dos arrecadadores de tributos.
É necessária a instituição de mecanismos de defesa pela sociedade, a fim de proteger-se. Instituições civis, de defesa de direitos, podem acompanhar processos, apoiar a quem resolve protestar legalmente, fiscalizar o funcionamento dos equipamentos eletrônicos de controle e principalmente exigir uma correspondência entre os castigos (multas) e os benefícios. Afinal, com os recursos já captados no mínimo as cidades brasileiras deveriam ter sistemas viários se não perfeitos, pelo menos satisfatórios, sem buracos, bem sinalizados, controlados por policiais rodoviários educados, muito bem remunerados. O grosso das multas é aplicado a “infrações” irrelevantes, sem repercussão nas estatísticas de acidentes e mortalidade, como velocidades pouco acima dos 60 km/hora ou a quem bebeu um copo de cerveja. Sem exceção, o artigo 59 do Código Penal determina que crimes sejam analisados tendo em conta a personalidade e os antecedentes do agente, além das circunstâncias. As multas de trânsito não. Os recursos são “examinados” por uma Junta que dá seu veredicto irrecorrível, raríssimas vezes a favor do reclamante, que ainda deve pagar adiantado.
Novos impostos são criados para serem pagos pela classe média e quem compra um automóvel torna-se uma vítima natural. As ameaças no horizonte se multiplicam. Vem ai os chips nos carros (as empresas serão remuneradas, de novo, com as multas e aumentos da arrecadação); tramitam projetos para aumentar o IPVA e as multas por excesso de peso dos veículos, restringir o acesso a áreas de maior movimento, aumentar as taxas dos Detrans, e por ai vai. É preciso reagir. Não fique em silêncio.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional