O orçamento do governo George W. Bush para o próximo ano fiscal, que inicia em 1º de outubro próximo, supera com folga o PIB dos 47 países da África subsaariana, somado com o da África do Sul com seu ouro e diamantes, de Angola e Nigéria com seus poços de petróleo. Serão 2,9 trilhões de dólares (o orçamento brasileiro para 2007 é de 210 bilhões de dólares, quase quatorze vezes menor), incluindo 623 bilhões para gastos em defesa e segurança, o maior dispêndio militar desde o final da segunda guerra mundial, em 1945. O Iraque e o Afeganistão farão os norte-americanos gastar mais do que no Vietnã e na Coréia. “A diferença é que não estamos em guerra”, lembrou William Hartung do Instituto de Políticas Mundiais de Nova York. É o maior orçamento militar desde a era Reagan, lembrou o The Washington Post.
Praticamente todo o esforço bélico projetado por Bush está direcionado para os lugares no mundo onde o terrorismo ou simplesmente seus maiores inimigos apresentam maior poder de fogo. Israel e Egito continuam liderando a lista dos países mais beneficiados com verbas do tesouro dos Estados Unidos, respectivamente com 2,4 bilhões e 1,7 bilhão de dólares em ajuda, bem mais do que o reservado para a América Latina. Embora a Secretária de Estado Condoleezza Rice tenha afirmado que no total o apoio financeiro à região possa chegar a US$ 1,6 bi, o que está diretamente orçado é bem menos (cerca de US$ 1 bi) e, a exemplo do orçamento global, privilegia quase que exclusivamente os países em conflito.
A rainha das Américas é a Colômbia, abonada com US$ 705 milhões, 80% dos quais para a luta contra o terrorismo e o narcotráfico. É praticamente o mesmo dinheiro que vem sendo destinado ao país nos últimos cinco anos, com a diferença de que o governo colombiano terá maior liberdade para gastar os recursos de ajuda social e desenvolvimento (agora na nova rubrica de “Fundo de apoio econômico”), o que significa reforço adicional para as Forças Armadas e a luta contra as Farc. Para os demais países da região andina as verbas de combate às drogas foram reduzidas, especialmente nos casos da Venezuela, Equador e Bolívia. A ligação cada vez mais profunda entre os presidentes Bush e Álvaro Uribe garantiu, poucos dias antes da apresentação da proposta orçamentária ao Congresso em Washington, o anúncio oficial do Plano Colômbia II, com o pomposo título de “Estratégia para o fortalecimento da democracia e do desenvolvimento social”. A astronômica cifra de 44 bilhões de dólares a ser aplicada no programa nos próximos seis anos significa quatro vezes mais do que o previsto na versão inicial do Plano Colômbia quando lançado no ano 2.000 pelos presidentes Bill Clinton e Andrés Pastrana. Uma vez que parte desse valor corresponde à contrapartida nacional, o governo da Colômbia tentará obter o improvável apoio financeiro da União Européia, cuja posição permanece contrária à ênfase no confronto armado que é a base do Plano atual.
O Pentágono mostrou uma sensibilidade especial para com o que denomina de Programas Democráticos para Cuba, aos quais destinou US$ 46 milhões, um salto extraordinário quando comparado aos atuais 9 milhões; quase tudo para a Rádio e TV Marti que passa o tempo enviando mensagens libertárias para a ilha dos irmãos Castro.
Acusado de esquecer seus vizinhos latino-americanos, Bush anuncia – quando só lhe restam 22 meses de governo – uma visita entre 8 e 14 de março próximo a cinco países da região. O périplo, que El Clarín anunciou com a manchete “Viagem tardia de Bush à América Latina”, cobrirá o Brasil em busca de acesso ao etanol, o Uruguai para acelerar o acordo bilateral de livre comércio que lançaria uma pá de cal sobre o Mercosul, a Colômbia onde o bloqueio das fronteiras com os vizinhos bolivarianos (Venezuela, Bolívia, Equador) é visto como cada vez mais urgente, a Guatemala onde acontece a reunião do BID e o México onde tentará controlar a reação do presidente Felipe Calderón ao seu projeto de levantar um muro na fronteira, missão esta que se afigura como particularmente impossível, pois o orçamento 2008 vai aplicar mais US$ 2 bi na sua construção e na contratação de 3 mil novos guardas para a Patrulha de Fronteira. Para o Brasil, a discussão do orçamento dos EUA, não obstante sua enorme relevância global, não tem impacto direto. A participação tupiniquim na Iniciativa Regional Andina caiu de 6 para 1 milhão de dólares, ao que se adicionam míseros 2 milhões para ações de saúde e 188 mil dólares para capacitação de pessoal militar.
Deve haver reação do Congresso norte-americano à proposta de orçamento do Executivo. Para algo há de servir a maioria conquistada pelo Partido Democrata, mas a perspectiva de menos guerra na face do planeta constitui uma esperança ainda longínqua.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional