Caucaso: quem acende o Estopim?

Bem Paraná

Uma Organização Não-Governamental, a Halo Trust, esforça-se por remover as incontáveis minas e os detritos deixados desde o Massacre de Sukhumi de 1993 na província separatista da Abkhásia na Geórgia, mas sua meta de limpar o território até o final deste ano é tida como irrealizável. Na Moldávia, a autoproclamada República do Transdniester transformou-se numa terra sem lei, assolada pelo crime organizado, onde o contrabando, o tráfico de armas ilegais de todo porte e a lavagem de dinheiro imperam em meio à pobreza generalizada. São as montanhas do Cáucaso, na fronteira entre o Ocidente e o Oriente, entre a Ásia e a Europa, entre a Turquia e a Rússia, que separam os mundos cristão e islâmico. Do Mar Negro ao Mar Cáspio, em uma área equivalente aos estados de São Paulo e Paraná juntos, 30 milhões de russos, georgianos, azeris (do Azerbaijão) e armênios dividem seus destinos.
Desde setembro de 2001, quando o foco das atenções internacionais se voltou para o Afeganistão e o Iraque, cortinas de silencio procuraram abafar as lutas pela independência nas quatro regiões de maior conflito no Cáucaso. Isso sem falar na Chechênia que no momento está calada pela repressão. Desde que Bush apoiou a autonomia para o Kosovo e insistiu na proposta de estabelecer um escudo antimísseis com dez interceptores na Polônia e um radar na República Checa, a Rússia, assustada, reagiu declarando uma moratória do Tratado de Forças Convencionais da Europa, o FCE, fechando-se a qualquer abertura em suas áreas de influência. Por seu turno, a OTAN exige, como ficou definido no FCE (Compromisso de Istambul de 1999), que Putin retire suas tropas da Moldávia e da Geórgia e feche as três bases militares que ainda mantém neste país.
A situação parece mais tensa no enclave de Nagorno-Karabach, a Montanha dos Jardins Negros, região fértil de grande beleza no sul do Cáucaso que formalmente pertence ao Azerbaijão (muçulmano), mas foi dominado pela Armênia (cristãos) em 1994 que aproveitou para realizar uma radical limpeza étnica reduzindo drasticamente a população azeri. A independência do Karabach, declarada unilateralmente, assim como todas as demais não é reconhecida pela ONU nem por qualquer país.
Na Geórgia, onde Mikhail Saakashvilli foi eleito presidente por sua cruzada anticorrupção e por ter conseguido derrubar o antecessor (Eduard Schewarnadze), duas províncias querem separar-se. De um lado a Ossétia do Sul tem um líder (Eduard Koroiti, ex-comunista e próspero homem de negócios) que considera ser a Rússia a grande garantia de paz no Cáucaso e defende a independência ou a junção com a Ossétia do Norte que já fica em território russo. De outro lado a Abkhásia, uma região na prática ocupada pelo exército russo (que diz estar em missão internacional de paz), governada desde 93 por abkhases étnicos que na época se juntaram a caucasianos do norte para cometer sérias atrocidades que resultaram no assassinato de 30 mil georgianos, incluindo o 1º Ministro e vários membros do Gabinete, e na expulsão de 250 mil, em outro caso de limpeza étnica. Hoje a Geórgia, a cujo território pertence oficialmente o Karabach, domina apenas a cidade de Chkhalta no Vale do Kodori, recentemente bombardeada por helicópteros russos.
Quando a Moldávia proclamou independência em 1990, o território do Transdniester fez o mesmo, mas não conseguiu reconhecimento pela ONU e permaneceu como uma esquina do crime, também garantida por “forças de paz” russas. O país é considerado, desde o ano passado, um Estado Falido (o mais pobre da Europa), insolvente e sem recuperação à vista. Sua absorção pela Romênia é uma alternativa, mesmo porque o povo e o idioma são praticamente os mesmos. O presidente moldávio, Vladimir Voronin, é um ex-general soviético, líder do Partido Comunista, que tudo permite a Putin e dá sustentação ao filho, Oleg Voronin, um biólogo que conseguiu amealhar uma fortuna incalculável e é de longe o homem mais rico do país e da região. O Transdniester tem sua própria Constituição, bandeira, moeda, Parlamento e hino, além de uma localização privilegiada para atuar como base de negócios escusos de toda ordem, numa área de transição protegida pelo rio Dniester e pela porosa divisa com a Ucrânia.
O diagnóstico no âmbito da OTAN (documento “Uma nova estratégia euro-atlântica para a região do mar Negro”) é de que se trata de um derradeiro resquício do velho império soviético. A política de Moscou, definida como de “instabilidade controlada”, é de fomentar e então manipular os conflitos o que lhe permite atuar como parte interessada e como árbitro de maneira a frustrar sua resolução para perpetuar a presença militar, manter a debilidade e o caos nos Estados envolvidos para torná-los economicamente desinteressantes, desencorajando o interesse do Ocidente em relação à Moldávia, Geórgia, Armênia e Azerbaijão. Três dos quatro conflitos teriam sido orquestrados e estão sendo mantidos por Moscou inclusive com forças de ocupação que são bem superiores às dos governos locais, enquanto no outro caso a Rússia apóia militarmente a um dos lados (o governo do Azerbaijão).
Putin parece decidido a dar um passo adiante e ordenou a definitiva incorporação do Transdniester e da Ossétia do Sul. Na última semana, os Ministros de Relações Exteriores desses territórios junto aos da Abkhásia e de Nagorno-Karabath assinaram mais uma inócua declaração conjunta que apela para soluções por meios pacíficos e políticos, acrescentando seu apoio à independência de Kosovo, embora considerem que seus “Estados” possuem instituições mais maduras para alcançá-la.
Interesses econômicos e geopolíticos existem e são cada vez mais relevantes. O Azerbaijão e a Geórgia são corredores de trânsito quase insubstituíveis para a energia do mar Cáspio à Europa e, junto com a Ucrânia, o melhor acesso para as forças da OTAN a suas bases ou teatros de operação na Ásia Central e no Oriente Médio. Sabe-se que a democracia só seria possível com o cumprimento do Compromisso de Istambul (retirada russa) e com a substituição dos lamentáveis governos dos Territórios em conflito, mas estas ainda são hipóteses distantes no horizonte do Cáucaso.
     


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional